Festival do Rio: “10 Anos, Divorciada” – Uma tocante história sobre a perda da inocência

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Seja em uma favela carioca assolada pela violência, seja no Haiti vítima da pobreza, em algum país em guerra civil na África subsaariana ou no caótico Iraque pós-guerra ao terror, a infância roubada é um tema sempre delicado. Em “10 Anos, Divorciada” (“Ana Nojoom bent alasfherah wamotalagah”, Iêmen/2014) a questão da perda da inocência se dá através de um caso de casamento arranjado na infância, algo ainda comum em tribos no oriente médio.

A menina Nojoom (Reham Mohammed) é uma pré-adolescente que, após a irmã mais velha sofrer um estupro, é obrigada a se casar para limpar a honra de sua família e ser protegida de um destino semelhante, mesmo sem entender exatamente do que se trata um matrimônio. Para Nojoom, a ideia de casamento é colocar um belo vestido branco, ser coberta de jóias e ganhar uma bela festa. Mas descobre na prática o lado cruel da fantasia, quando se vê obrigada a apagar a infância antes mesmo de chegar à puberdade. Inconformada com a postura conivente da sogra e dos próprios pais, ela recorre a um tribunal para anular o casamento. Daí se estabelece um conflito entre a lei e as tradições tribais.

A experiência do casamento causa em Nojoom o mesmo efeito devastador que a guerra no personagem Jim em “Império do Sol”. Ambos tiveram suas visões lúdicas (ela em relação ao casamento e ele em relação à guerra) dilaceradas pelo empirismo.

Após à noite de núpcias forçada, a sogra adentra o quarto com lençóis sujos de sangue, se indigna com o que vê: uma boneca de Nojoom com a cabeça arrancada jogada pelo chão. A menina é obrigada a trabalhar duro como uma adulta, sofre maus tratos, tudo com a anuência da mãe do noivo. E seu sofrimento é visto pela nova família como um transtorno, reportado ao pai da menina, como uma queixa a um gerente pelo mau atendimento do funcionário em um restaurante.

O filme é a adaptação do romance best seller escrito em 2009 pela própria diretora Khadija Al-Salami, inspirado na experiência vivida por ela na infância. Aos 11 anos de idade, Khadija foi forçada a se casar com o tio que a estuprou. Depois de muita desobediência e enfrentamento, ela conseguiu se livrar e voltar para sua mãe que havia se divorciado do marido após sofrer maus tratos. Seu destino mudou porque conseguiu um emprego em um canal de televisão e frequentou a escola pela manhã.

Infelizmente o casamento forçado de crianças em troca de dote ainda são muito comuns no Iêmen, e assim como o livro, o filme faz um belo papel denunciativo em defesa dos direitos das crianças e das mulheres, em uma cultura em que são obrigadas a sofrer atrocidades caladas.

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