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Narrativas, linguagens e revoluções na entrevista de Luciana Hidalgo

Ambrosia: Como você discutiria o papel do flâneur no seu romance, numa sociedade estrangeira. É um papel auto assumido pelos personagens ou uma forma de exilio, imposta pelo lugar que os recebe?

Luciana: Minhas narrativas são sempre ritmadas pelas andanças dos meus personagens flâneurs. Foi assim com o Afonso, protagonista de “O passeador” (Rocco, 2011), que flana pelo Rio de Janeiro do início do século XX, entre a cidade real e a ficcional, e agora de novo em “Rio-Paris-Rio”, com os personagens Maria e Arthur perambulando pela Paris dos anos 1960. É como se a minha própria escrita se desenrolasse a partir de suas interações com as cidades, dessa ideia central do poeta francês Baudelaire: o flâneur como um passeador especial, um espírito independente que não apenas circula na cidade, mas vê tudo com olhos críticos, num exercício diário em que caminhar significa, literalmente, pensar. E quando os passeadores, como no caso de Maria e Arthur, são dois brasileiros exilados em Paris, essa percepção é ainda mais distanciada, pois parte de um olhar estrangeiro. Por isso esses personagens primeiramente se deslumbram com a encantatória Paris do cartão-postal, mas, dia após dia, vão conhecendo o avesso dessa beleza, a Paris marginal, a “verdade” de toda cidade, que não cabe no cartão-postal.

A: A necessidade pelas revoluções para você passa por padrões puramente políticos? Ou precisa-se de um baú estético cheio de sons e versos e linhas poéticas melódicas para lhe dar esteio na hora da práxis?

L: Ótima pergunta! Sim, acho que as revoluções podem ser políticas e estéticas (entre outras). Essa é inclusive uma questão muito presente no momento atual, quando o Brasil passa por uma situação política de extremos. É importantíssimo refletir sobre essa questão na literatura, aprofundá-la, e isso pode ser feito das formas mais diversas. Meu romance “Rio-Paris-Rio”, por se situar no período da ditadura no Brasil, aborda o assunto de forma mais direta, já que nos anos 1960/70 houve a mesma e extremada dicotomia esquerda/direita no Brasil. Então, é claro que a minha ficção, ao falar do governo totalitário que assumiu militarmente o Brasil há cinco décadas, acaba tocando em pontos sensíveis do Brasil de hoje. Gosto de “pensar ficcionalmente”, ou seja, tento aliar igualmente política e prosa (que em alguns momentos se torna mais poética), refletindo, contando histórias, sem deixar de lado o exercício estético.

A: Como você pensou seus personagens Maria e Arthur? Suas outras vidas romanescas? Quem seriam Maria e Arthur num livro do início do século vinte, ou no final do século dezenove?

L: Maria e Arthur surgiram no momento em que li uma novela que meu marido (Jorge Bastos) escreveu, intitulada O minotauro. Trata-se de uma autoficção, centrada num narrador-personagem que vive em Paris nos anos 1960/70. A partir daí, quis, como já disse, “pensar ficcionalmente” o período da ditadura, mas a partir de personagens totalmente inventados. Maria e Arthur foram surgindo da imaginação, dia após dia, mas sempre num diálogo fictício e distante com esse personagem criado por Jorge. Não os vejo em séculos passados, pois os considero tipicamente anos 1960/70, com suas utopias e visões de um mundo romântico. Mas talvez por isso mesmo flertem um pouco com o romantismo dos séculos XVIII/XIX. Muitos leitores têm me escrito para dizer o quanto Maria, sobretudo, é uma romântica, no sentido mais literário do termo. E eu concordo.

A: Você tem uma força transbordante da linguagem, sua linguagem é sempre quimérica no sentido de impor algum tipo de sonhos e auspício. Se sim, como você a adequou à estória contada?

L: Em geral, a minha poética vai se desenrolando na medida em que a história vai sendo contada. Nada é dissociado. Não me dou ao trabalho de fazer uma espécie de “copião”, sistemático, objetivo, antes de começar o romance. Tenho intuições, ideias, histórias, que vão crescendo e amadurecendo devagar, dia após dia, a partir de um personagem que chega, de uma fábula que ouvi, ou mesmo a partir de uma palavra da língua portuguesa que não ouvia há algum tempo e se impõe no momento da escrita. Tudo se desenrola junto, formando um todo coeso que vou apurando nesse exercício eterno de escrever-rescrever. Talvez essa maneira mais “selvagem” de escrever, que parte de um instinto e só depois passa pela peneira da razão, explique um pouco essa linguagem “transbordante”. Tento conservar, assim, certo fluxo, a potência da escrita, temperando pouco a pouco com a rescrita.

Luciana Hidalgo

livro-rio-paris-rio-luciana-hidalgo-editora-rocco(Rio de Janeiro, 1965) é uma escritora e jornalista brasileira.

É doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com pós-doutorado na Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, na França.

A escritora já deu palestras sobre os temas de seus livros em vários centros culturais e universidades brasileiros (UERJ, UFRJ e USP, entre outras) e estrangeiros (Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, na França, e Universidade de Viena, na Áustria, entre outros). Na França, integra o comitê de correspondentes do site www.autofiction.org, especializado em autoficção, e é pesquisadora-associada na Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, França.

No jornalismo, trabalhou como redatora do caderno Prosa & Verso, suplemento literário do jornal O Globo, entre outros veículos jornalísticos cariocas.

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