"Prólogo Primeiro", espetáculo de bonecos de Edward Gordon Craig, no CCBB – Ambrosia

“Prólogo Primeiro”, espetáculo de bonecos de Edward Gordon Craig, no CCBB

Prólogo Primeiro, espetáculo da Companhia Caixa do Elefante e dirigido por Paulo Balardim, em turnê pelo Brasil desde abril de 2016, traz ao CCBB a adaptação de dois textos do dramaturgo britânico, Edward Gordon Craig, criador da Gordon Craig School for the Art of Theatre, em Florença, na Itália. Os textos adaptados são Prólogo Primeiro e O fim do Sr. Peixe da Sra. Espinha. Dois atores, Viviane Schames e Renato Turnes, estão no palco desenvolvendo esquetes e interagindo entre si e com bonecos, estes últimos incompletos, necessitando do corpo do ator para serem completados.

O espetáculo possui pontos altos e alguns baixos. Os primeiros são os momentos sem palavras e diálogos (ou quase sem, como é o caso da esquete dos bonecos na cama de casal vendo televisão, muito interessante e com humor leve e despretensioso, cuja expressão verbal é algo rudimentar, como se se situassem a meio caminho entre o humano e o boneco). A beleza plástica das cenas com ênfase na linguagem corporal e a metáfora da relação do homem com o boneco, do objeto animado com o objeto inanimado, do criador com a criatura, tema este que parece costurar todas as esquetes ou atos do texto, é inegável.

Viviane e Renato estão muito bem na poética coreografia que desenham no palco, ora entrando, ora saindo dos enormes bonecos belamente confeccionados por Marcos Nicolaiewsky e Paulo Balardim. A forma como acontece o relacionamento dos atores com os bonecos remete à descoberta de si e do próprio corpo, quando os bonecos parecem ir descobrindo a capacidade de movimentação dos seus membros antes inertes.

Essa capacidade é dependente do ator que se entrelaça com eles de modo orgânico: os bonecos só têm vida, só ganham movimento, se o ator/manipulador quiser, se estiver presente. Assim como em um trecho do texto os personagens-bonecos falam sobre Deus, sobre possuírem uma alma “rica”, alma esta dependente de um Deus que deseje criá-la, de modo análogo o boneco depende de seu manipulador, e este pode até não querer manipulá-lo, conforme o caso.

Há também a relação de afeto entre bonecos e atores, a que faz alusão a metáfora do resgate do coração, ao final do espetáculo. Não há como não lembrar de “O Mágico de Oz” e seu homem de lata na busca por um coração que lhe traga um pouco mais de humanidade. O espetáculo proporciona, através de uma linguagem corporal sui generis, a dicotomia homem/boneco ou homem/máquina ou homem/robô e o velho debate sobre o que confere humanidade ao humano.

Em “Prólogo Primeiro”, os limites são tênues, boneco e ser humano parecem depender um do outro, como se o boneco fosse o duplo do humano, determinando-o e sendo por ele determinado. Já não é possível apontar, com facilidade, onde começa um e onde termina o outro. Assim, a direção e a concepção visual, a iluminação, a cenotécnica e a escolha das músicas conferem beleza extrema e harmonia à linguagem poética do espetáculo, potencializando a metáfora que traz. Só colocaria um porém aqui: os barulhos e luzes que denotam explosão, em determinado momento, acabam machucando os olhos dos espectadores, quando as duas luzes mais fortes piscam, de modo intermitente. Essa parte poderia ser revista, pois o desconforto leva-nos a fechar os olhos.

O que podem ser considerados os pontos mais baixos do espetáculo são as cenas com diálogos. Aqui, o texto parece dependente da movimentação dos bonecos, subordinado a eles, como se existisse apenas com o pretexto de permitir que se movimentem, que sejam explorados ao máximo em sua natureza de bonecos; por isso o texto às vezes gira em torno de lugar nenhum.

O absurdo pode ser absurdo sem deixar de ser interessante. A cena do Sr. Peixe e da Sra. Espinha, por exemplo, pode ser cansativa e todas as cenas de diálogo dão a impressão de serem mais longas do que talvez sejam. O forte da dramaturgia de Prólogo Primeiro está, portanto, no relacionamento corporal entre bonecos e atores, nos movimentos criados pela mútua e incessante descoberta dos limites do corpo, e pela metáfora que evocam, mas pode ser ofuscada pelo texto.

Fotografias: Gisele Knutez

Ficha Técnica:

Direção e concepção visual: Paulo Balardim

Assistência de direção e pesquisa de cena: Carolina Garcia

Elenco: Viviana Schames e Renato Turnes

Texto: Edward Gordan Craig

Tradução/adaptação: Carolina Garcia, Paulo Balardim e Viviana Schames

Músicas: Antonio Vivaldi, René Aubry e Nino Rota

Cenotécnica e confecção de bonecos: Marcos Nicolaiewsky e Paulo Balardim

Assistentes de cenotécnica e bonecos: Carolina Garcia, Gabriel Velasquez, Viviana Schames, Paulo Nazareno e Sonia Velloso (Esha)

Soldas e estrutura de alumínio: João Rosa

Figurinos: Sonia Velloso (Esha)

Costuras: Sonia Velloso (Esha) e Dona Rosa

Operação de luz: Luana Pasquimell

Operação de áudio e vídeo: José Derly

Transporte de cenário: Cena em Trânsito–Hilário Fonseca

Criação gráfica: Clemente Design

Fotografias: Gisele Knutez

Produção de vídeos: Zapata filmes

Edição de vídeos: Alberto Arango

Coordenadora de produção: Carolina Garcia Marques

Produção executiva projeto Petrobras: Fabiana Lazzari

Produção e logística da turnê: Luanda Wilk

Assistência de produção: Gisele Knutez

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