“Quarteto Fantástico” acerta como ficção científica, mas erra como filme de super-heróis

"Quarteto Fantástico" acerta como ficção científica, mas erra como filme de super-heróis – Ambrosia

Desde que foi anunciado que a Fox faria um reboot nos cinemas do primeiro grupo de super-heróis criado por Stan Lee, após dois filmes dirigidos por Tim Story em 2005 e 2007, que até tiveram boa (mas não espetacular) bilheteria e dividiram a opinião do público em geral, houve uma certa desconfiança, tanto da imprensa em geral quanto dos fãs.

Para piorar, o estúdio divulgou pouquíssimo material sobre o filme, o que geralmente indica que as coisas não estavam correndo conforme o esperado. Além disso, notícias sobre os bastidores da filmagem, que reportavam possíveis problemas com a direção do filme, descaracterização radical dos personagens, elenco sendo chamado para refazer cenas um tempo depois de concluídas as gravações deixavam a impressão nítida que o resultado final seria um verdadeiro desastre.

Mas, no fim das contas, o novo “Quarteto Fantástico” (“Fantastic Four”, 2015) conseguiu ficar pronto para ser lançado nos cinemas. Por isso, há uma boa e uma má notícia sobre o filme. A boa notícia é que ele é até uma interessante obra de ficção científica, o que o torna superior a todas as versões anteriores já feitas. A má notícia é que, infelizmente, ele é muito fraco como ação e aventura para empolgar os fãs de quadrinhos.

A trama começa em 2007, quando o menino Reed Richards (Owen Judge) começa a mostrar sinais de que tem uma inteligência acima da média e pretende se tornar um grande cientista. Só que ninguém leva a sério suas ideias, a não ser o amigo Ben Grimm (Evan Hannemann), que o ajuda com seus experimentos mesmo não tendo a mesma genialidade precoce de Reed.

Sete anos depois, Reed (agora interpretado por Miles Teller) chama a atenção do Dr. Franklin Storm (Reg E. Cathery) e sua filha adotiva, Sue (Kate Mara) e é chamado para participar de um projeto secreto que consiste em teletransportar uma pessoa para um planeta que está em outra dimensão e, depois, trazê-lo de volta. Além de Sue, Reed acaba trabalhando com o filho irresponsável de Storm, Johnny (Michael B. Jordan) e Victor Von Doom (Toby Kebbell), um jovem inteligente mas um pouco instável emocionalmente.

Após os primeiros testes, Reed decide chamar Ben para a primeira viagem interdimensional, junto com Johnny e Victor. Porém, ao chegarem ao planeta, todos são afetados por uma misteriosa radiação que emana do solo, transformando todos em seres com poderes incríveis: Reed passa a ter uma elasticidade incomum em todo o corpo; Johnny sofre combustão espontânea, mas o fogo não queima seu corpo e o torna capaz até de voar; Ben fica incrivelmente forte, mas fica com a aparência grotesca e Victor adquire diversas propriedades. Sue, que tenta trazê-los de volta, também é atingida e passa por mudanças, que a tornam invisível e com a habilidade de criar campos de força.

O grupo é obrigado a se unir contra Victor, que se torna incontrolável e passa a ter planos megalomaníacos de destruir a Terra.

A primeira metade de “Quarteto Fantástico” é, sem sombra de dúvida, a melhor etapa do filme, quando há uma preocupação em apresentar os personagens e suas características sem pressa (especialmente na relação entre Ben e Reed, num clima que até lembra os filmes dos anos 80) e as questões científicas do experimento são bem reveladas.

Outro mérito é que, ao contrário dos filmes anteriores, os personagens sofrem ao adquirirem seus poderes. Geralmente, apenas Ben Grimm/o Coisa passava por isso, enquanto os outros achavam o máximo pelas mudanças e, aqui, a questão é tratada de uma forma bem diferente. Basta reparar na cena em que Reed grita de dor ao se ver preso numa cama com os membros esticados.

O problema é que, após os protagonistas passarem por suas metamorfoses, pouco ou nada de muito relevante acontece e a história se arrasta até a parte final, quando Victor assume sua persona de Doutor Destino (numa cena um pouco violenta demais, que lembra “Scanners: Sua Mente Pode Destruir”, de David Cronemberg) e Reed, Ben, Johnny e Sue tentam detê-lo. Só que as cenas de ação acabam ficando rápidas demais e pouco empolgantes, o que deixa uma sensação estranha quando chega a conclusão do filme.

O diretor Josh Trank, que foi contratado pela Fox após o bom resultado obtido com “Poder Sem Limites” (2012), parece ter perdido o controle de sua obra e não consegue manter o equilíbrio de seu filme por muito tempo, o que parece reforçar os rumores negativos sobre os bastidores das filmagens, onde teria sido até substituído quando algumas cenas tiveram de ser refeitas (e que seus problemas teriam sido a causa de sua demissão para comandar um spinoff de “Star Wars”).

O roteiro, escrito por Trank, Simon Kinberg e Jeremy Slater também não colabora, já que é falho para criar elementos realmente empolgantes e necessários quando se trata de adaptações de quadrinhos de super-heróis. Se houver uma sequência, pode ser que esse problema seja melhor trabalhado, já que a parte científica foi bem explorada, embora fique mal contada a concepção dos uniformes usados pelo Quarteto.

Na parte técnica, vale destacar a boa trilha sonora feita por Marco Beltrami e Philip Glass e o design de produção, especialmente na primeira versão do teletransporte de Reed, que usa até consoles do antigo Nintendo 64 para gerar energia, e a versão final da máquina, mais parecida com uma cápsula de fuga de uma nave espacial. Os efeitos especiais são corretos, mas nada espetaculares. Porém, vale destacar a boa computação gráfica usada para criar O Coisa, que parece mais realista como homem de pedra do que a roupa de borracha usada por Michael Chiklis nos filmes de Tim Story.

Pelo menos, o elenco principal não decepciona em “Quarteto Fantástico”. Miles Teller, após sua excelente atuação em “Whiplash – Em Busca da Perfeição”, volta a mostrar por que é um dos jovens atores mais interessantes que surgiram nos últimos anos e torna crível o fascínio pela ciência que Reed possui, assim como a dor que carrega dentro de si por se sentir responsável pelo que aconteceu com ele e como os outros, especialmente Ben.

Kate Mara, além de sua beleza, constrói sua Sue Storm de maneira apropriada, como uma jovem que deseja agradar ao pai adotivo, ao mesmo tempo em que tenta ser a pessoa mais sensata da equipe, fazendo sua atuação muito mais interessante do que fez, por exemplo, Jessica Alba, a Mulher Invisível anterior. Michael B. Jordan, que já tinha trabalhado com Trank em “Poder Sem Limites” e surpreendeu positivamente em “Fruitvale Station – A Última Parada”, consegue fazer o público esquecer a polêmica em torno de sua escalação por causa da etnia do Tocha Humana e faz o seu Johnny Storm com uma certa ironia, sem parecer chato ou pedante.

O ótimo Jamie Bell tem o trabalho mais complicado, já que, em boa parte de suas cenas, ele está como O Coisa e até mesmo sua voz foi alterada na pós-produção. Mas pelo menos, não decepciona quando tem que mostrar revolta e frustração em relação à criatura que se tornou inesperadamente. Um bom exemplo disso está numa sequência em que discute com Reed sobre a possibilidade de uma cura.

Toby Kebbell está OK como Victor Von Doom, com a petulância necessária para ser o vilão da história. Mas é uma pena que o roteiro não trabalhe muito bem as suas motivações para desejar conquistar o mundo, tratando tudo de forma bem superficial.

Vale destacar também as performances dos veteranos Reg E. Cathery, que faz o mentor dos jovens de uma maneira exemplar, mas é prejudicado por ter que dizer frases dignas de um livro de autoajuda, e de Tim Blake Nelson, que no filme vive o Dr. Harvey Allen, interessado em usar os poderes do Quarteto para fins escusos.

Sem muito espaço para o humor e com uma postura mais séria que os filmes da Marvel Studios, o novo “Quarteto Fanástico” deixa bem claro que o público deve esquecer de vez as versões anteriores e pode apontar para uma nova era para o grupo, o que fica ainda mais claro na cena final.

É uma pena, no entanto, que o fascínio inicial que ele provoca é logo trocado por algo pouco empolgante e que acontece de forma bastante apressada. Se tivesse mais uns 20 minutos e um melhor equilíbrio (como mostrado, por exemplo, na animação “Os Incríveis”), certamente o filme tiraria de vez a má impressão que ele tinha antes de estrear. Do jeito que ficou deu uma sensação de um copo meio cheio, meio vazio. É esperar para ver se a família formada pelo Senhor Fantástico, a Mulher Invisível, o Tocha Humana e O Coisa terá mais sorte nos próximos anos.

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