Resenha: 40 anos de Abbey Road

Beatles_-_Abbey_RoadHá exatamente quarenta anos chegava ao fim uma geração, há quarenta anos uma era tinha seu encerramento nos acordes doces e na letra suave de uma música que já se enunciava como término. Há quarenta anos os Beatles gravaram “The End”, a última canção de Abbey Road, o álbum que encerraria a carreira dos rapazes de Liverpool.

Batizado a partir do nome do próprio estúdio onde foi gravado, Abbey Road estaria fadado a conter as últimas gravações da banda, que se separou poucos meses depois de sua gravação. Produzido por George Martin, o quinto Beatle, o disco possui verdadeira força e paixão. Havia no grupo a nítida consciência de que aquele seria seu último trabalho e isto, de forma surpreendente os impulsionou a entregarem tudo de si. Se era para que eles fossem, que eles fossem em um estouro (ok, essa expressão não funciona tão bem em português, “go with a bang”).

Julgado por boa parte dos fãs mais ardorosos como o melhor álbum da banda, Abbey Road soa como uma retrospectiva do grupo em seus melhores tons e acordes. É perfeitamente possível enxergar dentro das músicas que compõe este fantástico trabalho um paralelo com todos os gêneros musicais explorados pelo quarteto de Liverpool, tais como as baladas românticas (Something), rock cru (Come Together), um pouco de blues (Oh Darling!), Hard rock (I Want You), o psicodelismo (Because) entre outros.

AbbeyroadbackÉ incrível como o álbum que precederia o fim da banda foi gravado quando os Beatles ainda estavam no auge de seu talento como compositores. “Vamos fazer um álbum como costumávamos a fazer” era a proposta de Paul MacCartney para conseguir que George Martin aceitasse assumir novamente o cargo de produtor, depois do desgastante “Get Back” (depois renomeado “Let it Be”). Um pedido no mínimo paradoxal dada a variedade e diversidade da banda em suas produções anteriores, mas que certamente o resultado final acabou até mesmo superando os álbuns prévios da carreira dos Beatles.

Abbey Road começa sua abertura apoteótica com o rock funqueado de “Come Together”, com um instrumental forte e a príncipio seco, podemos ouvir a música de Lennon nos arrebatando em sua pequena história supostamente auto-biográfica. Na metade da canção, quando as guitarras são liberadas levando mais força a composição é como se a raison d’etre do disco ganhasse tangibilidade, marcada pelo rock ácido de John. A linha de baixo de Paul é indefectítivel e coloca na canção um gingado pouco visto dentro do Rock.

A segunda canção é “Something” de George Harrison, que viria ser o primeiro single (lado A) do guitarrista. Ela é sem dúvida uma das melhores músicas já concebidas pelos Beatles e possui uma beleza de dar inveja. Até mesmo Frank Sinatra, rei entre composições românticas admitiria um dia que “Something é a melhor música sobre amor já escrita”, de fato as notas suaves e letra apaixonada da canção são capazes de fisgar a todos os ouvintes. Instrumentalmente ela funciona de forma muito harmônica e coesa, a voz de Harrison soa de forma doce e por que não um pouco afobada, seguida pelos curtos ataques a bateria perpetrados por Ringo durante o refrão. É difícil se manter a revelia de um composição tão bela e nada melhor do que ela para ilustrar esse artigo.

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A terceira música, composta por MacCartney, é mais uma das composições leves e por que não um pouco infantis dos Beatles. Lennon odiava o que ele dizia ser “mais uma música para avós feita pelo Paul” e de fato esta é uma das composições mais controversas do álbum. “Maxwell’s Silver Hammer” é uma música feliz e para cima sobre um maníaco que comete assassinatos com um martelo prateado, quase uma piada de humor negro. Eu particularmente acho o arranjo musical desta canção fantástico e o tema e a forma como ele é apresentado ironicamente divertido. O baixo, executado por Harrison (coisa bastante rara dado que Paul é o baixista dos Beatles) também possui linhas particularmente inspiradas.

Oh! Darling” um rock/blues fantastic composto por Paul é sem dúvidas uma das músicas mais distintas dos Beatles em estilo. Os vocais em particular, gravados pelo próprio MacCartney são certamente os melhores dele e talvez até mesmo de todos os Beatles. A forma desesperada que ele canta pedindo desculpas é simplesmente arrebatadora.

Octopus Garden” é uma das únicas composições de Ringo Starr (a outra é “Don’t Pass me by” do álbum branco), e segue o estilo de outras músicas leves e bobas do grupo como Yellow Submarine (também cantada por Ringo). Sinceramente não é nem de perto uma canção que eu realmente aprecio, ainda que tenha um desejo perverso de vê-la em um clipe estrelando cthulhu.

abbeyroadalternativesI Want You (She’s so Heavy)” é uma das músicas mais interessantes do disco, prenunciando uma era do rock. É John Lennon inspirado e em boa forma.Com uma letra em loop, a música se esforça muito mais em falar através de suas guitarras e seu som mais ácido, contituindo um dos primeiros clássicos do Hard Rock. O tamanho da faixa também é bastante distinto para os Beatles, cerca de oito minutos do album estão impregnados da energia de Lennon, compositor e vocal principal da música. Uma experiência bastante excêntrica para o grupo que originalmente fechava o lado A do LP.

O lado B tem seu início com “Here comes the Sun” outra das mais significativas canções dos Beatles, composta de forma magistral por George Harrison. Logo de início notamos a diferença de sonoridade pelo uso do violão no lugar da guitarra (por curiosidade o violão no qual a música foi composta era de Eric Clapton). É uma música que possui um certo sopro de vida diferenciado, um certo “sabor de primavera” e a certeza de um recomeço melhor. MacCartney e Ringo estão ambos em perfeita sintonia com o vocal principal e o violão de George, já Lennon ficou de fora da gravação (como em Maxwell Silver Hammer).

Em seguida temos a composição de John “Because”, marcada pelo sólido trabalho de harmonia das vozes. John, Paul e George gravariam três faixas cada um, em tons diferentes, montando depois uma música em nove vozes que a faz soar quase transcendental. Uma bela canção que trás a tona um pouco do psicodelismo dos Beatles que transparece pouco em Abbey Road.

E então temos o Medley pelo qual Abbey Road é tão famoso, são dezesseis minutos em oito faixas, compostas muitas vezes por trabalhos que datam da gravação do álbum branco e de “Get Back”, orquestradas por Paul e George Michael em um belíssimo e contínuo arranjo. Tudo começa com “You never give me your Money” música que costura o medley ao reaparecer em “Carry That Weight”. A variedade de estilos musicais dentro desta composição de Paul e seu baixo ritmado a tornam uma canção excelente, assim como os vocais bem distintos uns dos outros.

Sun King” é mais uma obra vocal belíssima em um tom mais brando em um crescendo bastante interessante que leva a uma doce composição de guitarras e a um final onde podemos ouvir um pouco de italiano, espanhol e português. “Mean Mr. Mustard” é um rock mais clássico de composição de Lennon, com grande ênfase em seu ritmo marcante e a letra bizarra que faz alusão direta a canção posterior “Polythene Pam”. Não há muito que se dizer sobre essa música bizarra no meio de medley que soa estranha com seus vocais mecanizados e sua pulsação acelerada. Ela abre caminho para o que é em grande parte a melhor música do medley, a composição de MacCartney “She came in through the bathroom window”, baseada em um evento real. Certamente ela é a canção de destaque, com uma tonalidade forte e divertida, que draga atenção para si. Uma grande balada que ajuda a revitalizar a suíte de “Polythene Pam”.

Golden Slumbers” é uma triste canção de vocal um pouco rouco e esperançoso que leva aos poucos o álbum até a sua despedida. Em sintonia com a subseqüente “Carry that Weight” , uma belíssima e forte canção as duas músicas estabelecem um sentido de fim ao disco como um todo e aos Beatles como um grupo. Esta noção é principalmente reforçada em “Carry That Weight” onde todos cantam juntos uma letra simples mas impactante que aos poucos se mescla aos acordes e melodia de “You Never give you Money” dando sentido e coesão ao Medley. A esta altura, você está tão encantado pelos tons e acordes que quase não é possível perceber a mudanças das músicas, e quando “Carry That Weight” chega ao fim, você passa a ter uma nova compreenssão do que é música e o que foram os Beatles. O coup de Grace do álbum repousa em uma canção que é mais do que auto-explicativa denominada “The End” que seria não só a última música do álbum como a última música a ser gravada pelos Beatles.

Com uma letra curta mais fundamental “The End” faz mais do que sintetizar um disco como Abbey Road, ela põe fim a uma era:

“And in the end, the Love you take is equal to the Love you make”
(E no fim, o amor que você toma é igual aquele que você faz)

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Comentários 7
  1. A resenha demorou para sair, mas ficou realmente muito boa. Acho engraçado como a banda foi como um relacionamento que ajudou cada Beatles a crescer e se achar individualmente, mas que no final acabou com uma certa amargura. É compreensível, mas é algo que trouxe muita tristeza para um número gigantesco de fãs, talvez até mesmo pela beleza deste último trabalho. Se pelo menos fosse um LP ruim, os fãs poderiam pensar “é, de fato a química morreu, a fonte secou”, mas acho que esse é o preço a se pagar quando um grupo fecha a carreira antes de entrar em decadência..

    Do álbum acho que uma das músicas que mais gosto é Maxwell’s Silver Hammer, gosto do efeito das letras pesadas com melodias leves. Me lembra I’m Just a Gigolo.

    1. Esse final de semana eu reassisti pela trogésima vez o famigerado “Rooftop Concert”, e fiquei com vontade de escrever sobre os 40 anos dele. Esse artigo acaba de dar o empurrãozinho que faltava =D

    1. Apesar de ter sido lançado depois o Let it Be (originalmente Get Back) foi gravado no final de 68 e inicio de 69 e foi adiado para ser lançado junto com o filme. o Abbey Road foi de fato a última vez que os Beatles tocaram juntos…

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