Sabrina Dalbelo: a grande poesia das coisas do dia a dia

As redes sociais se transformaram em um gigantesco mangue para a poesia. Com todo mundo se achando poeta, buscando o sucesso a qualquer preço, não conseguimos correr dez postagens seguidas sem nos depararmos com os versos de alguém. E ai se não curtirmos ou comentarmos. O “poeta-amigo” fica ressentido. Passar, portanto, pelas poesias e curti-las se tornou ato tão mecânico quanto postá-las.
Para muitos poetas de rede social, o que importa não é a qualidade, mas a quantidade. Uma, duas, dez por dia. E haja paciência. Com tanta oferta, cabe a quem gosta de boa literatura a peneira e o crivo da análise do que é bom e do que é apenas mais do mesmo.
E o problema não reside apenas na internet. A mesmice tomou conta da literatura brasileira nos últimos tempos. Não me lembro de nenhum grande exercício de ficção por parte dos autores nacionais nos últimos dez anos. Com a poesia não foi diferente. Por mais que a invencionice seja instrumento estético de alguns poetas, fazem mais destruir a linguagem que moldar novidade ao estilo literário.
Isso não significa que não tenhamos grandes escritores. Só estão escondidos tão bem que pouco são lidos ou comentados. Questão de pouca divulgação? Geralmente não. Apenas não fazem parte das panelinhas comuns ao segmento. Há muito lixo entre aquilo que está na crista da onda. Até o fazer poético foi poluído pela política – o reflexo, novamente, vemos nas redes sociais com milhares de poemas panfletários chatos. Se você não tiver o talento de Brecht não se arrisque a escrever poemas políticos. Cansei de ver construções ridículas rimando Lula com bula.
A poesia tem sim seu papel social e pode falar sobre absolutamente tudo. Mas muitos poetas esquecem do básico. Do sentir o cheiro do que é cotidiano, trivial. Esquecem que a beleza é pequena e como tal deve ser observada. Coisas pequenas devem ser tomadas e incorporadas aos nossos sentidos. Do pouco se faz o belo.
A poesia, a boa poesia – assim como na obra de Manuel Bandeira – é capaz de transformar o mínimo, aquilo a que pouco se dá valor, em algo grande e dele retirar o mais belo sentido da escrita. Isso acontece na obra da poeta Sabrina Dalbelo.
Em seu segundo livro de poemas, Lente de Aumento Para Coisas Grandes, (2018 / Penalux), Sabrina demonstra domínio do cotidiano. É uma poeta basicamente do dia a dia, ou melhor, para ser lida no dia a dia, a qualquer tempo. É alguém capaz de identificar a solidão humana numa analogia com os casacos no cabide e suas etiquetas que nada dizem além de silêncio, assim como muitos de nós. Vejamos:
etiquetas high Society
está frio
os casacos só aquecem cabides
no armário
 
está frio
as etiquetas intactas descansam
penduradas
de gola rolê
 
está frio
as etiquetas fazem pose
não se preocupam
com o caimento
 
A solidão encontra outras formas na poética de Sabrina, bem como os meios de enfrentá-la, como vemos no belo poema abaixo:
“não parece mas
há caridade
em doar saudade
a um coração vazio”
 
Ou neste, em que corpo e alma se completam solidários e solitários:
o corpo
casa da alma
pouco protegida
para tentar de tudo
durante uma vida
 
A poeta é habilidosa em trabalhar construções curtas. Não tem o impacto de Líria Porto, referência no estilo, mas é sutil como um sopro passando e movimentando folhas numa tarde ensolarada. Em tempos de rudeza, prefiro a singeleza e suavidade de Sabrina.
“anônimo é o amor
sem forma, sem traços
apenas deixa rastros
asas batendo e uma bobeira”
Por mais que domine a técnica da concisão, Sabrina nos entrega, em uma das construções que fogem dos poemas curtos, uma das mais belas peças do seu livro. Quando a autora conseguir aliar densidade ao seu estilo, atingindo maturidade, será capaz de construir obras inteiras com poemas com a intensidade do escrito abaixo:
eu abelha
aquele meu zumbido
que interrompe teu sono
é pelo teu peito, teu vício, teu hálito
de me manter plana e santa
de saia longa e longe
de bico curto e manso
enquanto acordada
 
minha calcinha frouxa
fede a mofo e talco
fecho os olhos
abro as narinas
mas não durmo
 
o zumbido que me acalma
quebra o gelo do quarto
é transe e fuga e curativo
é pra te ferrar

Sabrina Dalbelo: a grande poesia das coisas do dia a dia – Ambrosia
Sabrina Dalbelo (divulgação)
Lente de Aumento Para Coisas Grandes é um belo livro. Sutil, equilibrado, leve. Suas poesias podem ser fartamente trabalhadas como signos para a felicidade. São peças sóbrias como os poemas de Sabrina que deveriam invadir as redes sociais – a autora já os posta, mas deveria investir em edição gráfica e ‘roupagem’ diferenciada para expandir o seu alcance, já que é muito superior às chatices do midiático Fabrício Carpinejar.
Construído em quatro capítulos, eu não teria incluído o último na versão final do livro, pois é totalmente desnecessário ao contexto do belo trabalho e não faria falta se nele não estivesse. Poderia ter sido transformado em um poema longo ou embrião de um projeto à parte. Contudo, não prejudica a qualidade do livro.
Para adquirir a obra basta entrar em contato com a autora ou com a Editora Penalux.

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