O espetáculo teatral Let’s play that ou Vamos brincar daquilo, que tem criação e atuação de Tuca Andrada, a partir da obra e da vida de Torquato Neto, é um agradecimento ao poeta e letrista de música popular brasileira, como Tuca, ao final do espetáculo, nos diz. O ator também assina direção, cenário e figurino, junto com Maria Paula Costa Rêgo, e está no palco ao lado dos músicos Caio Cezar Sitonio (que assina a direção musical) e Pierre Leite. Torquato Neto, que nasceu no Piauí, morreu aos 28 anos, em 1972, no auge da violência e do horror da ditadura civil-militar brasileira – esse contexto que está presente o tempo inteiro no espetáculo. Artista ligado à contracultura, com parcerias musicais com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jards Macalé, Luiz Melodia, João Bosco, Edu Lobo, entre outros, Torquato também teve composições gravadas, por exemplo, por Gal Costa, Titãs, Maria Bethânia, Nana Caymmi e Elis Regina. Sua vida também foi marcada por sofrimentos psíquicos severos e esteve internado em hospital psiquiátrico por quatro vezes, segundo a narrativa do espetáculo de Tuca, todas elas voluntariamente. Vale assinalar que, no Rio de Janeiro, ele dá nome a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS III Torquato Neto), na Zona Norte da cidade.
Em sua última semana no CCBB-RJ, Let’s play that ou Vamos brincar daquilo tem o mérito de ser uma verdadeira inspiração. Saímos do teatro com vontade de ler mais, de conhecer tudo o que Torquato Neto criou, de saber de todas as suas parcerias, e também de escrever e de buscar formas criativas de expressão, todo esse ímpeto nascendo a partir do que acompanhamos no palco, dos textos que temos a chance de ouvir através dessa curadoria performática que Tuca vividamente nos apresenta. Sua energia, a simpatia e o acolhimento com que recebe os espectadores e as espectadoras, a forma como inclui os parceiros de palco e de produção antes de começar a apresentação e em outros momentos, a maneira apaixonada como se entrega ao personagem de Torquato, àquilo que o poeta produziu e escreveu, àquilo que ele, enquanto ator, descobriu através da pesquisa – outros autores e autoras, músicas que não conhecia e que vai, aqui e ali, mencionando – são uma ode à arte e à cultura brasileiras, às formas de resistência pela literatura, pela música, pela escrita, e são também uma lembrança importante daquilo que se pode fazer e movimentar em circunstâncias que parecem só apresentar obstáculos – como foi o caso do período da repressão, no Brasil, ou, mais recentemente, durante a pandemia.
Em um palco circular, no qual estão espalhados, como um tapete, muitos papeis, e fazendo uso de um banco como objeto cênico, Tuca Andrada traz fragmentos da obra poética de Torquato, de correspondências, de algumas de suas crônicas e críticas no jornal Última Hora, e em alguns momentos também podemos ouvir áudios do personagem celebrado. O nome do espetáculo refere-se a uma poesia do poeta, Let’s play that, musicada por Jards Macalé, ao passo que Vamos Brincar Daquilo seria uma livre tradução. De acordo com Tuca, essa livre tradução seria também uma forma de convidar o público para se relacionar com ele durante a apresentação, o que de fato acontece, quando pergunta a todas e todos, ao final, se têm algo a dizer ou comentar, ou quando resolve convidar aqueles e aquelas que quiserem a dançar uma ciranda no palco, o que efetivamente acontece. De fato, o espetáculo cumpre um propósito de ensejar uma vontade de criação ou de conhecimento. De aproximação com a produção artística de Torquato. Ouvir alguns de seus textos na voz de Tuca é uma inspiração para quem escreve, e a peça consegue ser contagiante. A empolgação que a permeia transborda do palco e, no final da apresentação na noite em que pude assistir, gritos de “viva Torquato” puderam ser ouvidos em meio aos aplausos efusivos – que, aliás, aconteceram aqui e ali durante o espetáculo.
É importante, todavia, sinalizar que alguns fragmentos pareceram perdidos, faltando certo alinhavo a algumas inserções. Ainda que não seja adepta de uma narrativa necessariamente tradicional ou linear, e sabedora de que tudo tem seu lugar, eu diria que, para que o espetáculo não escorregue perigosamente para uma sopa de trechos de Torquato somados a algumas lembranças de Tuca, sopa essa que pode favorecer alguma dispersão, acredito que um arranjo maior de cenas seria necessário, especialmente da metade da peça para o final. O momento da ciranda, por exemplo, é interessante e caloroso, no entanto parece desconectado do resto. A lembrança de um sonho do ator, vinculado a uma cena de infância relacionada à noite em que o AI-5 foi decretado, em 1968, no Brasil, tem evidente relação com o contexto histórico e político em que Torquato viveu e produziu seu trabalho, mas, ainda assim, parece inserido de forma solta. Isso ocorre em outros momentos e talvez bastem realmente poucos, mas essenciais, elementos de ligação entre esses momentos, da mesma forma que os parágrafos de um texto precisam ter conexão, ainda que uma narrativa não tenha linearidade e que esta característica não seja crucial para a qualidade de um enredo. O problema de uma fragmentação excessiva é que pode causar certo cansaço, pois demanda um esforço além da conta na tentativa de compreensão de algumas imagens, e de fato estamos buscando acompanhar, enquanto público, o que Torquato produziu e viveu, o Torquato de Tuca, aquele que escolheu nos apresentar. Esse esforço além da conta excede aquele que é bem-vindo quando estamos assistindo a qualquer espetáculo instigante, pois pode levar à desatenção, em detrimento do que se propõe comunicar a respeito da figura do próprio homenageado.
Ficha técnica
“Let´s Play That ou Vamos Brincar Daquilo”
Criação e Atuação: Tuca Andrada, a partir da obra e vida de Torquato Neto
Direção, Cenário e Figurino: Tuca Andrada e Maria Paula Costa Rêgo
Direção Musical: Caio Cezar Sitonio
Músicos: Caio Cezar Sitonio e Pierre Leite
Direção de Movimento: Maria Paula Costa Rêgo
Iluminação: Caetano Vilela
Assistência e Programação de Luz: Nicolas Caratori
Operação de Luz: Wladimir Alves Fernandes
Operação de Som: Raquel Brandi
Parangolé: Izabel Carvalho
Intérprete de Libras: Diana Dantas e Lorena Sousa
Assessoria Contábil: Confiare
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Fotografia: Matheus José Maria, Ronald Nascimento e Ashlley Melo
Criação de Vinhetas: Daniel Barros
Projeto Gráfico: Humberto Costa
Produção Executiva: Tuca Andrada e Adriana Teles
Realização: Iluminata Produções Artísticas
Serviço
“Let´s Play That ou Vamos Brincar Daquilo”
Direção: Tuca Andrada e Maria Paula Costa Rêgo
Elenco: Tuca Andrada
Temporada: 15 de agosto a 15 de setembro de 2024
Dias e horários: Quinta à sábado às 19h e domingo às 18h
Centro Cultural Banco do Brasil – Teatro III
Rua Primeiro de Março, 66, Centro, Rio de Janeiro
Informações: 21 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br
Valor do ingresso: R$ 30 (inteira) e R$15 (meia)
Estudantes, maiores de 65 anos e Clientes Ourocard pagam meia entrada.
Ingressos adquiridos na bilheteria do CCBB ou antecipadamente pelo site https://ccbb.com.br/rio-de-
janeiro
Funcionamento do CCBB Rio: de quarta a domingo, das 9h às 20h (fecha às terças).
Duração: 75 minutos
Classificação: 16 anos
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