Nessa última semana tive a oportunidade de entrevistar um dos nomes mais importantes quando falamos de opinião relacionada a mangá (história em quadrinhos japonesa). O jornalista Alexandre Lancaster ganhou reconhecimento entre os fãs de mangás com seu blog Maximum Cosmo aonde diariamente discute o cenário das comics de nossos amigos nipônicos e seu reflexo pelo mundo. Preparem-se para uma entrevista interessante aonde vamos conhecer um pouco dessa figura um tanto reservada que tem até uma HQ escrita e desenhada por ele (isso mesmo!) que pode sair ainda esse ano.
Phil Souza: Para começar, nome completo e aonde mora Lancaster!
Alexandre Lancaster: Alexandre Ferreira Soares. Moro no bairro de Todos os Santos, no Rio de Janeiro.
Phil Souza: Lancaster, você consegue fazer um pequeno (ou nem tão pequeno assim) histórico de seu trabalho na internet e fora dela com mangás e animes?
Alexandre Lancaster: Consigo. Fiquei por cerca de dois anos no Anime Pro com a coluna Tower of Strength, que eu hoje considero mais um aprendizado do que qualquer outra coisa. Olho para as primeiras colunas daquilo e sinto vontade de enterrar a cabeça – foi algo que começou muito cru e levei tempo para dominar o discurso.
Aí veio o projeto Ação Total, que não deu certo por motivos que é melhor deixar pra lá, e fui chamado para a Neo Tokyo da Escala, aonde passei a escrever novamente por cerca de dois anos.
Acabei saindo da Neo Tokyo, mas ainda trabalhei algum tempo como tradutor e assessor editorial da NewPOP. Traduzi Tarot Café, Ark Angels, os primeiros volumes de Dark Metrô, Doors of Chaos e Kampai. Não fechei as séries – eu precisava me formar na faculdade de jornalismo afinal de contas. Mas montei o blog, primeiro como uma extensão de uma matéria do curso de jornalismo… Jornalismo Digital. Tenho que agradecer a minha professora, a Larissa, por isso – fui muito resistente a montar meu próprio blog.
E ele teve duas fases distintas, uma no google e outra quando fui chamado ao Interney. Estou aqui hoje.
Phil Souza: Como foi o trabalho de tradução na NewPOP? Eu leio muitas críticas sobre tradução das grandes editoras, até aonde a coisa é verdadeira?
Alexandre Lancaster: Não há muito o que dizer. Tarot Café foi relativamente fácil porque houve uma mudança – a roteirista abandonou a série e a desenhista assumiu o trabalho. Eu pessoalmente não gostava do material, mas como era meu primeiro trabalho de tradução, procurei levar muito a sério; e quando veio a mudança… bem, a artista levava bem mais jeito para escrever do que a roteirista original. Em compensação, a primeira roteirista escrevia páginas inteiras com um tico de frase aqui, um tico de frase ali… era mais rápido. Passei a ter mais trabalho quando passei a lidar com diálogos coerentes, mas faz parte do serviço. Kampai foi o mais divertido, mas traduzi apenas o primeiro volume.
Não sei dizer quanto a outras editoras. Eu recebia o material em inglês do Junior Fonseca, que era meu editor-chefe.
Phil Souza: Como você conseguiu escrever na Anime Pro? Você conhecia alguém de lá e ela te convidou a escrever?
Alexandre Lancaster: Sabe que não me lembro mais das circunstâncias? XD É história bem antiga mesmo… não lembro se eu propus a coluna ou se fui convidado. Muita coisa aconteceu e contribuiram, para esses lapsos de informação, as pausas que a Anime Pró teve, com o Junior Fonseca se afastando por motivos de saúde. Como ele não permitia que outras pessoas pusessem as mãos no website dele, tudo ficava travado.
Phil Souza: Quando que esse universo do anime e mangá começou a chamar sua atenção? Quem te apresentou esse lugar mágico?
Alexandre Lancaster: Com certeza na infância, com desenhos animados como Patrulha Estelar, Robotech… eu gostava de ficção científica e via os animes e mangás como o lugar onde eu encontrava aquilo que eu procurava e não encontrava. Quis o destino que, aqui no Brasil, quando os animes emplacaram de vez via Cavaleiros do Zodíaco, o que se estabelecesse fosse um molde preferencial dos quadrinhos de luta. Mas foi a ficção científica dos anos oitenta que me levou aos animes. Já os mangás foram outra história. Eu peguei aquela primeira leva dos mangás no Brasil, a que foi derrubada pelo Plano Collor. Se não fosse isso, as coisas provavelmente teriam sido diferentes. Lobo Solitário, Akira, Mai a Garota Sensitiva… e eu na época estava lendo Marvel e DC. Aprendia a desenhar e tinha minha cabeça voltada a super-heróis. Mas foi justamente a leitura dos mangás que chegaram ao Brasil nessa época que me recolocaram na rota do prumo que eu já antevia na infância.
Phil Souza: Comente então sobre alguns autores de ficção cientifica japoneses que você gosta.
Alexandre Lancaster: Eu fiz um artigo sobre o Yokinobu Hoshino no meu blog, ele acabou aparecendo por aqui através de um quadrinho de guerra, o El-Alamein, mas os seus trabalhos mais importantes ainda precisam dar as caras por aqui. O problema é que mesmo eu teria que ser cauteloso ao publicar material dele caso fosse um editor, porque aqui no Brasil ficção científica tende a não vender muito bem. Eu mesmo credito o grande sucesso de Patrulha Estelar por aqui ao seu componente religioso – e na boa, se tivessem explorado bem, poderia ter desencadeado o processo de popularidade de animes e mangás antes de Cavaleiros do Zodíaco. Mas estou tergiversando. O Hoshino é da ala da ficção científica hard – que preza o respeito as ciências exatas antes de tudo – e é muito, muito fácil ser chato ao se produzir fc hard. Isso ele não é.
Inclusive a Record chegou a exibir um anime baseado em sua principal obra, 2001 nights, aqui no brasil. Deram o título de aventureiros do espaço, e passaram no dia das Crianças, os três OAVs reunidos como se fossem um longa. Não podia dar certo.
Indo para um caminho oposto, eu gosto muito do Hisao Tamaki, que teve apenas sua adaptação do primeiro longa de Guerra nas Estrelas (o “Uma Nova Esperança”) publicada por aqui. Cheguei a ler o seu Astrider Hugo, se não me engano teve uns oito volumes no Japão, e dá pra entender porque ele foi escolhido: ele segue justamente essa escola pulp da ficção científica, com grandes naves, aventureiros em grandes cenas de ação e um senso de aventura impecável. Uma pena que dificilmente veremos esse material por aqui.
E claro, tem o Yoshikazu Yasuhiko. Venus Wars foi um dos mangás que me fizeram migrar de mala e cuia para os quadrinhos japoneses, eu adoro essa série. É bem superior ao longa animado. Essencialmente as séries de mecha são derivativas de séries de guerra, especialmente as de aviação em termos estruturais, com ases que estabelecem desafios e tem oponentes a vencer. O Yasuhiko meio que clarifica isso ao apresentar mechas que não são robôs gigantes – são supermotos blindadas de combate contra supertanques. Como você não objetifica tanto o mecha, não o vê como personagem, o aspecto de guerra fica mais claro.
Atualmente o Yoshikazu Yasuhiko está produzindo o Gundam: The Origin, que é leitura obrigatória no gênero.
Phil Souza: Você falou que não queria muito um blog e que parte da idéia e do incentivo foi da sua professora? Explica isso melhor.
Alexandre Lancaster: Na verdade surgiu por motivações práticas. Eu havia me desincumbido de minhas obrigações com a NewPOP e estava na matéria de jornalismo digital. Então foi exigido que eu montasse um blog. Preferi de um assunto que eu estivesse familiarizado – e diabos, escrevi mais de dois anos para a Neo Tokyo.
Phil Souza: Você comentou que foi resistente para montar seu próprio blog? Não achava que a coisa daria certo?
Alexandre Lancaster: Não. Eu estou desenhando e escrevendo, quero desenvolver meus próprios projetos – eu queria tempo, a verdade era essa. E havia a faculdade, naquele momento. Além do mais, em um blog, você se expõe, dá a cara a tapa. Eu já estava azedo por conta de algumas experiências no orkut – que nem entro mais direito hoje em dia. O blog acabou se revelando gratificante, mas exige auto-disciplina para manter o ritmo.
Phil Souza: Você notícia constantemente algumas publicações que estão fechando lá no Japão. Fala-se em crise. Você acha que ela é só econômica ou tem algo haver com uma mudança do público japonês?
Alexandre Lancaster: Eu acho que a crise tem muito a ver com a economia, sim. Você não muda uma cultura de consumo de uma hora para outra – tanto que a Jump ainda vende absurdamente bem. Ainda acredito no sistema de antologias japonês, porque ele continua dando resultado. O que acontece no momento é uma soma de fatores: você não tem grana, então você precisa realmente selecionar o que lê. E nesse contexto acontece aquilo que o Ken Akamatsu apontou: os títulos que vendem bem continuarão vendendo bem e até aumentam, os títulos que ninguém conhece por sua vez terão menos chances para se tornar conhecidos. Por um motivo simples.
Se você tem menos grana, você tem menos vontade de cometer riscos. E mangá é essencialmente novela, você tem uma certa obrigatoriedade em manter o acompanhamento das séries que você mais gosta, se é o que você quer. O leitor ocasional é importante para a renovação de qualquer indústria, porque de risco em risco ele acaba se firmando em algum ponto. Então quem sofre são as revistas menores.
Agora, os grandes sucessos continuarão atraindo gente, tem o marketing a seu favor e o barulho que fazem ajuda a continuar agregando leitores. One Piece continua crescendo, não pense que os dois milhões de leitores que a edição 57 fez em duas semanas estavam lá na edição 15. Isso é a fama e o marketing contando.
No final… é a economia, como sempre.
Phil Souza: Ok, e quanto aos Haréns, Moes, Ecchis e outros gêneros apelativos? Os japoneses andam consumindo mais esse tipo de coisa ou é impressão? Ou sempre consumiram? Lembro de em algum texto seu você comentar sua preocupação sobre o assunto.
Alexandre Lancaster: Bom, vamos lá. O que acontece é algo similar ao que aconteceu no mercado americano e que levou a seu afundamento. Lembre que um dia Super-homem vendeu dois milhões de exemplares, nos Estados Unidos. Hoje, se vender 120 mil, a DC estoura o champanhe. É o prenúncio não do surgimento de um gueto para os quadrinhos, como acabou acontecendo nos states, mas de um cenário onde pode surgir uma estrutura para esse gueto. Se a coisa apertar, o mercado tem para onde correr e isso vai gerar uma estagnação medonha.
Phil Souza: Falando agora especialmente sobre o Brasil, você reclamou certa vez sobre a forma de distribuição dos mangás comparando como eles são dispostos aqui no Brasil e de como eles são divididos no Japão. Algumas pessoas apontaram que Dr. Slump e Crayon Shin-Chan não fizeram sucesso aqui por causa disso, o que acha?
Alexandre Lancaster: Verdade. O problema dos mangás é que eles aqui, são percebidos pela procedência, como se fossem uma espécie de gênero por si. O que significa, digamos, colocar Doraemon no mesmo balaio de gatos de um MPD Psycho.
Phil Souza: Você acha que as editoras podem mudar isso de alguma forma?
Alexandre Lancaster: Acho. As editoras poderiam se dar ao luxo de trabalhar melhor seu contato com os jornaleiros, que no final são o elo mais importante da cadeia. Sugerir formas de distribuição, aonde cada mangá poderia estar… uma carta impressa a cada jornaleiro, a ser recebida quando viessem os pacotes, isso é uma solução simples por exemplo.
Mas existem vários outros modos.
O ponto é que o jornaleiro deveria ser melhor orientado, porque o jornaleiro é parte da comunidade, conhece seus compradores de sempre, sabe vender seu produto e quem de sua área vai comprar.
Phil Souza: E quanto ao Lancaster fora do Maximum Cosmo? O que ele gosta de fazer? Ler, Escutar…
Alexandre Lancaster: Eu? Gosto essencialmente de rock, mas varia de acordo com o dia – tem momentos que eu me sinto pós-punk, tem dias que eu me sinto mais hard rock, tem dias que eu me sinto altamente contemporâneo, tem dias que eu estou nos anos 70. Tudo é estado de espírito. Em termos de atividades, estou desenvolvendo meu projeto de quadrinhos, que retomei e estou levando a sério. Escrevi alguns contos de ficção científica e estou com um deles na antologia Steampunk: Histórias de um Passado Extraordinário, da editora Tarja, que saiu ano passado e se passa no universo da minha série de HQ. Leio muita não-ficção, acredito que a leitura da história e de livros jornalísticos são essenciais até para minha visão de ficção. O último que li foi o Honoráveis Bandidos, de Palmério Dória. Procuro ler os jornais. Um homem não pode ficar longe do mundo em que vive. E se pensarmos bem, até os mangás são o que são por não ficarem longe do mundo em que seus leitores vivem, mesmo o mais fantasioso deles.
Phil Souza: Sua série de HQ? Você pode falar um pouco dela?
Alexandre Lancaster: O nome dela é Expresso! – ele surgiu de um conceito que eu pensava quando tinha uns doze, treze anos de idade, e ficou adormecido, em parte por eu ter passado a ler quadrinhos Marvel/DC por um bom período da minha vida. Mas ele só foi tomar forma uns seis anos atrás mais ou menos. A história tem um protagonista brasileiro, Adriano, um garoto inventor que quer deixar uma marca no mundo – mas vai encontrar muitas pedras no caminho. É uma série steampunk, mas não quero fazer dela uma dessas “terras paralelas” – eu queria sugerir que aquele poderia ser realmente o nosso mundo, em nosso passado, apesar de suas máquinas fantásticas.
Phil Souza: Você é dono do roteiro e desenha também?
Alexandre Lancaster: Sim.
Phil Souza: O Steampunk está sendo muito falado ultimamente. Esse subgênero sempre te atraiu?
Alexandre Lancaster: Acho que eu sou um dos fãs de primeira hora do gênero. Ele tem um apelo meio nostálgico, dos filmes antigos que eu via quando era garoto, das adaptações para cinema do Jules Verne, e até um pouco dos velhos animes que passavam no SBT. Eu cheguei a ver o Sherlock Hound do Miyazaki em velhas fitas vhs há mais de dez anos e adorei. Eu pessoalmente tenho alguma reserva quanto a uma certa incorporação que o gótico fez no steampunk, mas não vou me amolar por isso.
Minha visão é luminosa, um pouco mais colorida. Não imagino o começo do Século XX em preto, branco e sépia.
Phil Souza: E quando veremos essa HQ nas bancas? Tem previsão?
Alexandre Lancaster: Espero que esse ano. Estou trabalhando nisso, faz parte de um projeto maior. Mas o primeiro conto ambientado na série está no livro da Tarja, e convido a todos para que dêem uma olhada no que vem sendo feito no cenário de ficção científica aqui no Brasil.
Phil Souza: Você tem algums nomes a recomendar?
Alexandre Lancaster: A franquia Taikodom, que sai pela Devir e é baseada no MMORPG do mesmo nome. Já gerou dois livros pela editora e é uma experiência interessante, livros baseados em um cenário de jogo, encabeçados pelo Gérson Lodi-Ribeiro. Também temos vários projetos interessantes no ar, como o do combo Fábrica dos Sonhos, encabeçado pela Ana Cristina Rodrigues. Há projetos de fantasia e de ficção científica deles que valem a olhada.
Phil Souza: E de onde vem o bendito “Lancaster” que você assina?
Alexandre Lancaster: O Lancaster veio quando eu havia largado minha primeira faculdade e fui trabalhar em um estúdio em Quintino. Haviam, incluindo a mim mesmo, seis Alexandres e quatro Cláudias. Se não surgissem apelidos, ninguém se entenderia lá dentro e virei Lancaster. A coisa grudou a um ponto que hoje todo mundo me conhece desse jeito.
Phil Souza: Mas a origem do apelido Lancaster é…
Alexandre Lancaster: Nem eu sei mais. XD Mas quando surgiu a possibilidade de desenhar para o exterior, assumi um Alexander Lancaster que no final virou zona, você vê gente grafando meu nome de todo jeito na internet. Preferi manter o primeiro nome no original e deixar o Lancaster em seguida. Se um Franz Paul Heilborn pode virar Paulo Francis, acho que eu posso assinar como Alexandre Lancaster. XD
Phil Souza: Finalizando, você gostaria de acrescentar alguma coisa Lancaster?
Alexandre Lancaster: Sim. Uma das coisas que perguntei a minha professora – que é jornalista econômica, trabalhava à época no G1 (não sei se ainda está lá) – sobre sua opinião sobre os mangás após acompanhar diariamente meu blog por um bimestre. Ela disse que antes, tinha a impressão geral: eram “quadrinhos japoneses”. Mas ao acompanhar, percebeu que é uma grande indústria cultural, que movimenta somas extraordinárias, que é um grande universo até dentro do mundo dos negócios, que é o que ela entende. E isso é algo que eu gostaria que fosse melhor percebido. Eu tendo muitas vezes a ser redundante em meus artigos, porque imagino que cada um deles possa ser o primeiro artigo sobre o assunto que uma pessoa desavisada pode encontrar. Evito dizer “shonen” sem deixar claro que isso significa “quadrinhos para garotos”. E eu acho que só há o que ganhar ao levar esse universo a sério, a enxergar suas potencialidades, não apenas como entretenimento, mas também como indústria cultural. Se ao ler meu blog você entender o universo do mangá mais do que uma moda (e que moda é essa que dura há décadas em países como a França, o segundo maior mercado de quadrinhos do mundo?), ou mais do que algo para crianças, então eu acredito que terei feito meu trabalho no final das contas.
O Ambrosia agradece a entrevista com o Alexandre Lancaster, que pelo que percebi, é uma pessoa muito reservada e por isso mesmo uma entrevista como essa não é sempre que acontece.
Para os interessados na HQ do Lancaster, chamada Expresso! segue algums links importantes:
Blog sobre a História: http://expresso.steambook.com.br/
DevianArt do Alexandre Lancaster: http://lordlancaster.deviantart.com/
esse cara e f@#@#da!!!!!!!!!!
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