Encontrando Menu
Foi para falar sobre o OuBaPo que marquei uma entrevista com o guerrilheiro-autor-editor-remanescente da L’Asso. Nos últimos anos, os antigos editores deixaram a equipe, alguns brigados. O que não parece ter afetado a sua produção.
Encontrei-o primeiro na festa de lançamento da 37ª edição da sua mítica revista Lapin. A festa preenchia cada espaço da charmosa livraria Le Monte-en-l’air; obras presentes na edição ocupavam as paredes da loja, observados por fãs e autores, todos compartilhando do mesmo vinho em caixa (!) e das mesmas batatas chips, se encolhendo próximos aos aquecedores.
A nova Lapin não desapontava: o novo formato – trimestral, como ela já tinha sido, anos antes, contava com o editorial sarcástico de Menu e páginas e mais páginas de novos talentos, além da prata da casa. Até páginas amarelas ou ultra-laranjas, a gosto de cada autor. Esbarrei nele e interrompi uma conversa para me apresentar. Menu me olhou, sério: “Ah, é você”.
Mesmo assim, aos 21 de janeiro de 2009, eu batia nas grandes portas vermelhas da L’Association, lá foi a mocinha se apresentar, entrevista com o Monsieur Menu, Monsieur Menu trabalhando nas pranchas de algum livro, páginas caindo da rotativa, o galpão repleto de cartazes pelas paredes, estantes e mais estantes.
A imagem de autor amargo e brigão se dissolveu nos primeiros segundos quando ele percebeu seu café ainda frio. Acabei fazendo perguntas estúpidas. Quand même, apesar dele reagir como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, foi extremamente gentil e respondeu pacientemente. Menu me pareceu um pequeno príncipe crescido, o cabelo ruivo e os grandes olhos incisivos.
L’Association e Oubapo: modo de usar
Sobre a diferença entre as experimentações em quadrinhos e o OuBaPo, Menu respondeu (“Ora bolas”, era o que ele dizia com os olhos) que, em geral, o segundo busca aplicar restrições em que alteram ou suprimem elementos que, justamente, definiriam o que é quadrinhos. “O OuBaPo é uma ciência, é matemático”, Menu reforça. Objetivo de esgotar a própria definição geralmente aplicada a “histórias em quadrinhos”, como eles afirmavam na Oupus 1. Tudo começou em 1992, quando esse grupo se reuniu para criar mais um “gênero de estrutura sob restrições”.
“É um campo de pesquisas centrado sobre os quadrinhos sob restrições”. Sobre a relação do OuBaPo com outros grupos artísticos, Menu responde que não há interferência. “Por outro lado, há mistura de assuntos com outros ouvroirs”. Alguns trabalhos foram realizados sobre um tema comum. Menu citou o exemplo da uma “releitura” do regulamento da biblioteca do Beaubourg, em Paris (o OuBaPo publicou alguns desses trabalhos no OuPus 3). “Então, cada modo de expressão tratou isso com restrições diferentes”.
L’Association, 20 anos.
No começo, eram apenas os autores tentando se publicar, sozinhos. Há dez anos, em entrevista, os então editores e Menu contavam, entusiasmados, sobre a experiência desse início, de quando contrataram o primeiro funcionário. Hoje, há apenas um editor e diversos funcionários. Um dos últimos autores a emigrar foi o Lewis Trondheim (que, aliás, presidiu o célebre festival de quadrinhos de Angoulême 2009, cujo grande prêmio foi para Blutch, que o presidiu esse ano). Perguntei se ele acreditava em um retorno na colaboração de alguns desses autores. “Alguns talvez, outros não muito […] “É uma história que é assim, uma coisa que aconteceu”.
Lewis dirige, atualmente, a coleção Shampooing (frase do Trondheim, sobre a coleção: “Lava a cabeça e faz bolhas. Shampooing é para os grandes que sabem permanecer pequenos e para os pequenos que querem ser grandes”. Realmente algo de certa forma… diferente… se comparado a sua Nouvelle Pornographie, publicada pela L’Asso. “Uma outra abordagem”, como disse Menu. “O trabalho que ele faz na Shampooing é o que parece com ele. É um pouco o que ele queria fazer na Association, são coisas que, na minha opinião, são menos exigentes, são menos radicais […]. É um pouco do que ele quis. […] É normal que haja duas estruturas, não é maléfico”.
L’Asso continua funcionando de modo associativo: leitores/autores colaboram com uma pequena taxa e recebem brindes, o catálogo anual, cartões de Natal. São estratégias de marketing que asseguram a produção e encantam os leitores. Ainda enviam um “diploma” em A3 com desenho elegante, seu nome e número de associado.
Menu afirmou ainda que não considera sua editora como de vanguarda, muito menos “independente”. “Nem sempre publicamos livros de vanguarda, se um autor tem um bom trabalho de desenho e de texto, publicamos”. Não precisa ser, necessariamente, “algo novo”. Em seu plate-bandes, ele já afirmara a sua preferência pela palavra “alternativos”, pela proposta de uma alternativa aos padrões. E “independente não quer dizer nada […]. E depois, a gente sempre é dependente do sistema, de qualquer forma, sempre dependentes de um mercado, do distribuidor, das usinas de papel, que fecham, nesse momento, a gente é dependente de tudo isso”.
Sem espaço ou com o espaço limitado por escolhas editoriais que privilegiem mercados, não artistas, L’Asso pretendeu, desde o início, trabalhar o livro como um todo. Cada coleção é pensada em um tamanho diferente, com capa monocolor, mas bem viva, em papel de qualidade. Como Menu enfatizou na entrevista, eles publicam obras cujo conjunto seja bom: “não é necessário apenas um bom desenho ou um bom texto, ambos devem ser harmonicamente autorais e de qualidade. Um trabalho, sobretudo, voltado pelo desenho à la plume”, com mais ênfase no traço. Dos brasileiros, se interessa sobretudo pelo Fabio Zimbres.
Sobre a internet, L’Association conta com o endereço http://lassociation.fr/ “à venir” (em breve) há pelo menos dois anos. Não passará de um site de vendas, para a distribuição dos livros no exterior, mas talvez não passe de uma piada deles. A internet como mídia não lhe interessa. “Sei que há muita gente que tem um blog esperando ter um livro depois, um meio de se fazer reconhecer autores fora da imprensa. Eu sou da área dos livros.”.
Ao longo dos anos, o trabalho de Jean-Christophe Menu parece continuar coerente com suas primeiras metas de luta pela criação e editoração. Seu trabalho, para ele, é o de “continuar o que já vinha sendo feito”. Não há, muito menos, uma preocupação com as premiações. Era justamente a semana anterior ao festival de Angoulême. Quis saber como era isso de não aceitar os padrões do mercado (até mesmo o código de barras obrigatório dos livros é acompanhado de uma piadinha, com uma ordem de arrancá-lo, cantando: “A humanidade será feliz no dia em que o último burocrata for enforcado com as tripas do último capitalista”), ao mesmo tempo em que eles participando de festivais. Como driblar esse afastamento do que ele mesmo chamou de guetos dos quadrinhos e a criação artística. Ora, ele explica, “é preciso levar em consideração que precisamos de papel, de funcionários, que a crise afeta isso tudo”. “Estamos na França e pertencemos ao mercado francês”. A “verdadeira luta”, no seu campo, não é apenas pela arte. Mas “é preciso encarar o comércio que piora, levar em conta o salário dos funcionários, para que tudo funcione”.
Comentei a longevidade de seus projetos. “Você sente orgulho disso?”. “Faço meu trabalho. Quando um autor quer publicar, tem um livro, um projeto, a gente o ajuda a realizar esse projeto […] Não é questão de ficar ‘contente’. Se isso dura… Isso é bom. Cada vez mais, mais premiações em Angoulême. Não é o mais importante. O que me dá prazer é fazer um projeto com um autor, publicar seu livro, ver o sucesso do autor em um segundo momento […]. Tenho a impressão de trabalhar como em outra época. Para mim o normal, o ordinário, se tornou anacrônico… porque os outros editores pensam em coisas rentáveis… tenho a impressão de fazer as coisas como no passado, e isso não me atrapalha. Isso me deixa contente […] É um tipo de resistência”.
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Que bom de ler sobre essa figura dos HQ franceses! Bem legal seu artigo Kamiquase!
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