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“Boneco de Neve” mostra como não se deve adaptar um best seller

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Além das adaptações de histórias em quadrinhos, Hollywood não se cansa de dar sinal verde para transposições de livros de suspense. Se forem para aquelas série de publicações envolvendo um mesmo personagem, melhor. Afinal, alguns deles se tornaram bastante populares, fizeram muito dinheiro na bilheteria e até ganharam Oscars, como o canibal Hannibal Lecter, cuja personalidade singular tornou possível a consagração de Anthony Hopkins, além de tornar “O Silêncio dos Inocentes”. Isso sem falar da hacker problemática Lisbeth Salander, estrela da franquia “Millenium”, criada por Stieg Larson, e que já foi interpretada por duas atrizes (Noomi Rapace e Rooney Mara) e está prestes a ganhar a terceira personificação (Claire Foy).

Mas tudo pode dar muito errado e o resultado ficar, no mínimo, constrangedor. É o que acontece com “Boneco de Neve” (“The Snowman”, 2017), produção que adapta o sétimo livro de uma série criada por Jo Nesbø, que já vendeu 20 milhões de cópias em todo mundo. Infelizmente, o filme ficou muito aquém do que poderia render e acaba sendo nada menos do que decepcionante, ainda mais com um grande elenco comandado por um cineasta que, até então, tinha realizado obras bem acima da média.

Ambientada em Oslo, na Noruega, a trama acompanha o detetive Harry Hole (Michael Fassbender) às voltas com uma intrigante investigação. Ele precisa descobrir o paradeiro de uma mulher que desapareceu na primeira neve de inverno. Sua única pista é a descoberta de um cachecol da vítima encontrado num boneco de neve que foi feito perto de sua casa. Auxiliado pela recruta Katrine Bratt (Rebecca Ferguson), Harry começa a perceber que o caso pode estar ligado a uma série de crimes que foram cometidos na mesma época anos atrás, e que eram investigados por Rafto (Val Kilmer), um policial pouco ortodoxo. Ao mesmo tempo, Harry tenta resolver sua conturbada relação com a ex-namorada, Rakel (Charlotte Gainsbourg) e seus demônios internos.

Um filme de suspense tem de, basicamente, intrigar e causar tensão no espectador para que seja bem sucedido. O problema em “Boneco de Neve” é que, infelizmente, ele não consegue nem uma coisa nem outra. A maneira encontrada pelo diretor Tomas Alfredson para contar a trama é fora de ritmo e arrastada demais, perdendo muito tempo com questões supérfluas que só ajudam a fazer com que o público não se importe se o mistério será resolvido ou não, tamanha a apatia e frieza com que tudo é conduzido.

O cineasta, que entrou no lugar do lendário Martin Scorsese (que acabou creditado como produtor executivo), e havia chamado a atenção por seus trabalhos em “Deixe ela entrar” e “O espião que sabia demais”, por exemplo, aqui falha vergonhosamente em criar um clima instigante e tudo o que provoca é um grande bocejo à medida que o filme avança.

Outro problema grave está no roteiro, escrito por Peter Straughan, Hossein Amini e Søren Sveistrup, que não desenvolve situações e personagens a contento. Um bom (ou mau?) exemplo disso está na maneira superficial que trata o alcoolismo do protagonista, já que é algo que não é visto, apenas dito por outras pessoas, e nunca parece ser um verdadeiro obstáculo para o personagem se recuperar (o que nunca fica realmente claro). Para piorar, as motivações do serial killer também ficam obscuras e mal explicadas e sua identidade é facilmente descoberta, especialmente para quem já viu vários filmes do gênero, bem melhores do que este aqui. Isso sem falar da trama envolvendo o empresário Arve Stop, vivido por J.K. Simmons, que deveria ajudar a dar uma aura maior de mistério para a história e fica mais do que dispensável. Além de estranho é uma pena.

Lamentável também é a edição truncada, que não dá o ritmo certo para que a trama tenha um bom desenvolvimento (e colabora para distanciamento gerado pela direção), nem para criar sustos ou a tensão necessária para que o suspense seja satisfatório. O clímax, então, fica tão mal realizado que chega ao cúmulo de causar confusão sobre o que está acontecendo na tela.

A decepção aumenta ao ver nos créditos que a edição ficou por conta de Thelma Schoonmaker (junto com Claire Simpson), parceira de longa data de Scorsese e vencedora de três Oscars pela montagem de “Touro Indomável”, “O Aviador” e “Os Infiltrados”. O seu trabalho em “Boneco de Neve”, infelizmente, é uma mancha no currículo até então impecável, e a única justificativa para um resultado tão abaixo do que costuma fazer é que, provavelmente, o material filmado estava mesmo muito fraco e nem na pós-produção deu para salvar.

Para não dizer que nada vale a pena no filme, pelo menos a fotografia assinada por Dion Beebe (vencedor do Oscar de 2006 por “Memórias de uma gueixa”) é muito bonita e realça as ótimas locações na Noruega. Um dos momentos mais marcantes é quando o personagem vivido por Kilmer sobe uma montanha para ver os restos mortais de uma vítima. Dá a exata sensação de que o espectador também está lá no alto e isso é um grande mérito de Beebe. Outras sequências também muito bem realizadas plasticamente enchem os olhos e podem até dar vontade de conhecer melhor o país. Mas isso é muito pouco para uma produção que pretendia iniciar uma série cinematográfica.

Desde que se tornou mais conhecido do grande público ,graças a filmes como “Bastardos Inglórios”, “Shame” ou as aventuras mais recentes dos “X-Men”, Michael Fassbender parece estar determinado a conseguir uma franquia para chamar de sua. Primeiro, tentou a sorte com “Assassin’s Creed”, mas a adaptação do famoso game não saiu exatamente como planejado. Infelizmente, a mesma coisa aconteceu em “Boneco de Neve” e, para agravar a situação, sua performance como Harry Hole parece ter sido feita no famigerado “piloto automático”, já que em nenhum momento ele parece sincero em relação ao que o personagem está sentindo. Aliás, não há grandes destaques no elenco.

Rebecca Ferguson até que não se sai mal para dar uma certa dualidade para Katrine, mas não chega a sair do lugar comum. Val Kilmer, pelo menos, procura compensar a aparência um pouco fragilizada causada por seus problemas de saúde com uma impostação de voz diferente para poder entrar um pouco no jeito arrogante e ao mesmo tempo desleixado de Rafto.

Só que o resto dos atores são terrivelmente desperdiçados. Charlotte Gainsbourg, musa dos filmes recentes de Lars Von Trier, pouco tem a fazer como Rakel, a não ser mostrar um pouco da sensualidade madura vista, por exemplo, nos duas partes de “Ninfomaníaca”. J.K. Simmons, assim como Kilmer, faz um trabalho de voz interessante e é um dos únicos do elenco a se preocupar em dar um sotaque que parece natural para quem é norueguês, mas falando em inglês. É uma pena que a direção e o roteiro acabem sabotando o seu esforço. As participações de Toby Jones, como um policial veterano, e de Chloe Sevigny  são vergonhosas. Não pelos atores, mas pelo pouco espaço dado a duas pessoas tão talentosas.

“Boneco de Neve” tinha grandes chances de ser um dos destaques do segundo semestre de 2017 por causa dos nomes envolvidos e no potencial de iniciar uma nova franquia de filmes baseados nos livros de Jo Nesbø. Só que, do jeito que ficou, as chances de surgir novas tramas com Harry Hole no cinema são menores do que descobrir que o Abominável Homem das Neves realmente existe. Para os realizadores, fica a lição de que é preciso ter mais cuidado e paixão na hora de adaptar uma obra literária. Do contrário, tudo pode se perder na imensidão do esquecimento.

Filme: Boneco de Neve
Direção: Tomas Alfredson
Elenco: Michael Fassbender, Rebecca Ferguson, Charlotte Gainsbourg
Gênero: Suspense
País: Estados Unidos
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Universal Pictures
Duração: 1h59
Classificação: 16 anos

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