Trechos do livro “Amor de Alecrim”, de Ana Paula Couto

Ana Paula Couto nasceu em Nova Friburgo (RJ), onde ainda reside. Professora de língua inglesa por mais de duas décadas, redescobriu na pandemia sua paixão pela escrita, publicando contos e crônicas em antologias antes de estrear na literatura solo com “Amor de Manjericão”, publicado em 2022. Este ano, lançou “Amor de Alecrim”, continuação da obra,…


Ana Paula Couto nasceu em Nova Friburgo (RJ), onde ainda reside. Professora de língua inglesa por mais de duas décadas, redescobriu na pandemia sua paixão pela escrita, publicando contos e crônicas em antologias antes de estrear na literatura solo com “Amor de Manjericão”, publicado em 2022. Este ano, lançou “Amor de Alecrim”, continuação da obra, com a personagem aos 50 anos.

Trecho 01

Acho que cansei da mesmice, quero algo novo. Mas o quê? Estou em vias de me aposentar. Uma parte de mim almeja fazer algo diferente, inovador e está cansada dessa rotina de anos. Outra parte tem medo da aposentadoria e o que ela pode trazer. Tenho receio dessas mudanças.

Aposentadoria é coisa de velho. É coisa de velho? Estou envelhecendo. Caraca, como será minha vida sem a rotina que faço há anos? Não tenho a menor ideia.

São reflexões que têm me rondado. Vivemos em uma sociedade etarista que descarta e põe à margem quem envelhece. E o mais doido disso é que é o caminho natural da vida. Talvez por isso o aposentar-se assusta.

Outras questões também têm me assombrado como a mudança em meu relacionamento com Arthur. Têm horas que acho que estamos tão distantes, tão mudados. Parece que tudo está diferente. E está. Eu, pelo menos, estou.

Até fisicamente eu estou diferente. Por que ninguém me contou sobre a tal menopausa? Por que as mulheres ainda têm dificuldade em falar e aprender sobre algo que vai enlouquecê-las? Sim, você fica bem biruta, desorganizada, sensível, irritada, bem suada e sem libido. É muita coisa acontecendo nessa fase da vida da mulher.

Será culpa de Arthur pelo nosso estranhamento ou sou eu quem está toda desequilibrada? Ou serão as duas coisas? Por que é que sempre tenho que falar em culpa? Vai ver ninguém é culpado de nada e a vida é assim e pronto…

Fácil detectar o quão perdida eu estava quando cinquentei, mesmo sabendo que amava Arthur e que eu estava em um momento de transição em minha vida. Havia muitas respostas que eu não tinha e nem tenho ainda. Cogitei procurar outra vez Leona Ramirez, a taróloga. Será que a carta da Imperatriz ainda seria soberana em meu jogo de tarô? Eram tantas as questões e as ideias que iam e vinham para resolvê-las, mas no final das contas, eu sabia que não estava dando conta de mim e do meu entorno.

Trecho 02

O meu casamento com o cara do manjericão foi do jeito que eu queria. Com o pai de Laurinha foi algo simples, no cartório, para poucas pessoas. Não foi um evento. Hoje, penso que se eu não tivesse engravidado, talvez nem tivesse me casado com ele, mas a Amanda daquela época não via as coisas com tanta clareza como a que aqui está. Eu, hoje, não teria casado só porque engravidei.

Como eu queria me casar? Ah, sempre fui dessas de gostar de um romance bem água com açúcar! Então, coisas como usar um vestido branquinho, uma aliança e jogar o buquê sempre passaram pela minha cabeça, mas no meu primeiro casamento deixei esses desejos engavetados.

Após ficarmos noivos partimos para a missão de arrumar a casa nova. E que missão! Foram muitas decisões. Achávamos que a casa dele seria melhor por ser mais ampla do que a minha. E era. Aos poucos, fomos ajustando as nossas diferenças e rotinas. Quando casamos, já estávamos praticamente morando juntos.

A casa de madeira da Rua das Palmeiras tinha espaço para Moah, já que Brisa caberia até na minha bolsa a tiracolo. Arthur, como bom arquiteto, planejou os espaços. Ele tinha a visão espacial que me faltava. O atelier de trabalho dele, que ficava em uns dos quartos, mudou-se para um anexo do lado de fora da casa. Assim mais um quarto, dos três, foi desocupado.

Foram muitas conversas e ajustes para alocar o novo casal, Laurinha, Tony, Bê, Moah, Brisa, Pincel e Atena. Afinal, queríamos todos felizes. Tivemos que dar nó em pingo d’água para escolher os móveis, os aparelhos e utensílios que iriam ficar.

Tínhamos duas casas montadas, cada qual com seu estilo. Sei que no final das contas nosso espaço ficou aconchegante. Tivemos o cuidado de respeitar nossos desejos e chegar a um acordo que nos agradasse. Equilibramos o estilo clean de Arthur com alguns apegos meus como a mesa redonda de madeira escura antiga que abria ficando ainda maior e oval. A mesa de jantar sozinha já engolia a sala e vinha com enormes quatro cadeiras almofadadas. O apego vinha por conta dela ter sido da minha avó, que passou para minha mãe e chegou até a mim. Eu gostava da ancestralidade da mesa e pensava que um dia ela seria de Laurinha. Eu só pensava porque minha filha não esboçava o menor apreço ao móvel e muito menos se animava em ser uma possível herdeira dele, muito pelo contrário. Laurinha revirava os olhos quando eu contava a história da mesa, do caminho que ela percorreu para chegar até a nossa casa, dos almoços, jantares e encontros que ela havia presenciado, da energia afetiva que emanava dos veios da madeira etc. e tal. Resumindo a história, Laurinha achava feia a mesa que eu tanto elogiava, mas Arthur entendeu a minha necessidade em tê-la e ela ficou meio trambolha na nossa sala, mas ficou. Aos poucos fomos encaixotando umas coisas, desencaixotando outras, doando alguns itens e abrindo mão daquilo que não cabia mais na nossa nova vida, menos a mesa da vovó, é claro.


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