Festival do Rio 2025 – Dolores e o sonho “made in Paraguay”

Sonhos são a poesia secreta da alma que o coração sussurra, a instituição humana que conecta o mundo da vigília e o inconsciente, ou a matéria-prima da imaginação que desenha novos destinos e dá sentido à existência. Essa é a sabedoria popular. No caso de “Dolores”, a personagem do título do filme parece ter plena…


Sonhos são a poesia secreta da alma que o coração sussurra, a instituição humana que conecta o mundo da vigília e o inconsciente, ou a matéria-prima da imaginação que desenha novos destinos e dá sentido à existência. Essa é a sabedoria popular. No caso de “Dolores”, a personagem do título do filme parece ter plena consciência dessa definição poética encontrada no buscador da web, por mais que ela nunca tenha lido.

Às vésperas de completar 65 anos, Dolores sente algo que não consegue explicar — uma premonição que chega como um lampejo entre o sonho e a loucura. Ela vê o futuro diante de si: será dona de um cassino próspero, rodeada de luzes, aplausos e sorte. Mas, como em toda boa aposta, há um risco que não pode ser ignorado. O passado, com seu vício devastador em jogos e apostas, ainda ronda sua vida como um fantasma insistente. O que parece uma profecia de redenção pode também ser o prenúncio de uma nova queda.

Enquanto Dolores tenta decifrar os sinais do destino, Deborah, sua única filha, vive um tempo de espera. O namorado, preso há meses, promete mudar assim que sair — e com ele, Deborah sonha recomeçar. A cada carta recebida, ela se agarra à esperança de uma vida simples, livre da desordem e da solidão que marcaram sua relação com a mãe. Mas as promessas, como os números na roleta, giram rápido demais para serem confiáveis.

Já Duda, a neta, enxerga na juventude uma passagem secreta para outro mundo. Recebe uma proposta para trabalhar nos Estados Unidos, e vê nessa oportunidade o passaporte para tudo o que a família não teve: estabilidade, reconhecimento, liberdade. No entanto, o convite vem acompanhado de dúvidas e culpas — partir significaria romper com o passado, deixar para trás o caos, mas também o amor.

Três mulheres, três gerações, e um mesmo desejo: virar o jogo. Cada uma delas aposta o que tem — e o que não tem — na esperança de uma vida diferente. O filme (ou romance) transforma o ato de jogar em metáfora do próprio viver: é preciso arriscar, mesmo quando as chances parecem pequenas. Dolores, Deborah e Duda não buscam apenas dinheiro ou sucesso; elas buscam controle — o poder de escolher o próprio destino em um mundo que insiste em escolher por elas.

A dupla de diretores Marcelo Gomes e Maria Clara Escobar, que também assinam o roteiro, fazem um interessante diálogo entre a realidade e o sonho que vai ficando cada vez mais sutil no decorrer da trama. As paletas de cor que adornam os quadros quando a protagonista está em cena evocam o onírico em seus delírios de uma vida glamurosa, mas também se fazem presentes de certa forma quando vive a sua dura realidade. A forma como Marcelo e Maria Clara narram a jornada de Dolores remete a “Réquiem Por um Sonho”, de Darren Aronofsky, embora menos agressivo graficamente, o que não significa que seja mais “leve”. O sonho da filha em passar a lua-de-mel no Paraguai com o companheiro assim que ele ganhasse a liberdade com o fim da pena não é por acaso. O país vizinho é associado a produtos falsificados, tais quais os vislumbres de Dolores.

Em uma bela atuação, Carla Ribas transmite ao mesmo tempo a ilusão, a vergonha e a culpa, sentimentos conflitantes que a personagem carrega durante toda a trama. Já Ariane Aparecida, que interpreta a neta, representa o sonho sem questionamentos, típico dos jovens, enquanto Naruna Costa, a filha Deborah, é a conexão com a realidade cinzenta. A verdade com que as atrizes sustentam suas personagens deixa a torcida pelas três irresistível

Dolores

Dolores
7 10 0 1
Nota: 7/10 – Ótimo
Nota: 7/10 – Ótimo
7/10
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