Que somos pequenas criaturas diante da vastidão do universo (na verdade até mesmo do planeta)é uma compreensão filosófica e existencial consolidada que serve de mote para o longa “Pequenas Criaturas”, da diretora Anne Pinheiro Guimarães. A trama mergulha na intimidade de uma família fragmentada em meio ao progresso e à solidão dos anos 1980. A trama acompanha Helena (Carolina Dieckmann), uma mulher que vê sua vida virar de cabeça para baixo após ser deixada para trás pelo marido — ausente em uma longa viagem de negócios que mais parece um abandono emocional.
A história se passa em 1986, quando a família se muda para a capital futurista do Brasil, que, com apenas 16 anos de inaugurada, ainda era um cenário de promessas e modernidade que contrasta com o vazio que cresce dentro de casa. Longe das suas raízes e sem o apoio do companheiro, Helena tenta se reinventar enquanto lida com o temperamento rebelde do filho adolescente e com a imaginação inquieta da filha caçula, uma menina de 8 anos que enxerga o mundo com uma sensibilidade quase mágica.
Entre ruas planejadas e sonhos desfeitos, o filme constrói um retrato delicado sobre o isolamento feminino, as transformações familiares e a resistência silenciosa de quem tenta manter o afeto em meio às ruínas do cotidiano.
A escolha de Brasília não foi por acaso. Aquele ambiente árido da capital federal (onde Anna Pinheiro nasceu) apresentava nos anos 1980 era o cenário perfeito para as questões propostas pela diretora. “Pequenas Criaturas” se constitui como um autêntico coming of age, uma história sobre crescer, que engloba todos os personagens, incluindo os adultos, como a protagonista e os coadjuvantes. Também versa sobre a força que surge das ausências e como os afetos podem ser construídos ou transformados.

Na vastidão do cerrado, em meio à arquitetura opulenta de Oscar Niemeyer sob o céu mais incrível do país (o céu é o mar de Brasília, afirmam os locais), descobertas, desilusões, tanto de adultos quanto de jovens são interligados em uma grande jornada de descobertas e amadurecimento que tem como ponto central o menino Dudu, filho mais novo de Helena, que, por ser criança é o mais otimista da história. Por mais que as adversidades se apresentem, o menino sempre se agarra a alguma novidade ou esperança, como a de ver o pai retornar a tempo para o seu aniversário.
A influência da cultura pop dos anos 80 é sentida o tempo todo. A cineasta, que também assina o roteiro, propõe uma viagem no tempo imersiva. O garoto Dudu é fanático pelos filmes da série “O Planeta dos Macacos” – que eram presente constante na Sessão da Tarde na época -, tanto que ele é frequentemente visto com uma máscara dos símios do longa sci-fi. Garrafas de guaraná Brahma são, mas outras marcas ganharam nome alterado (como a Kibon). Em se tratando de Brasília em 1986 não poderia faltar Legião Urbana, que toca na vitrola em uma festinha de 15 anos. E há uma clara semelhança de Helena e seus filhos com a família de Elliott em “E.T.”, uma mulher abandonada pelo marido tendo que ajustar à condição de mãe solo. E bicicletas também estão presentes.
O tropeço do script está em criar algumas expectativas que não precisavam ter sido criadas, para ou não desenvolvê-las ou – no caso de uma específica, que gera até uma certa aflição sobre o que pode ocorrer – quebra-las de forma simplista. Ainda assim, a diretora conta com um belo elenco que a ajuda a contar a história da forma mais satisfatória. Carolina Dieckmann transmite o fardo de cuidar dos dois filhos em uma fase tão complicada. Caco Ciocler interpreta um simpático coadjuvante, que surge como opção na vida de Helena, mostrando a ela que a vida continua, assim como a personagem de Letícia Sabatella, e o menino Lorenzo Mello que interpreta Dudu rouba a cena. No balanço geral, um acerto que tem tudo para conquistar plateias quando chegar ao circuito.









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