Inexplicavelmente e repentinamente um campo de força invisível isola Chester’s Mill, cidade no estado norte-americano do Maine. Automóveis e aviões esfacelam e explodem em chamas ao tentarem atravessá-lo. Pessoas que trabalhavam em cidades vizinhas são separadas de suas famílias. Ninguém consegue entender, qual é a natureza daquela barreira, nem de onde ela veio, ou quando ou se irá desaparecer. Stephen King apresenta em Sob a redoma (Under the dome, tradução de Maria Beatriz de Medina, 960 páginas), seu mais recente livro, lançado por aqui pela Objetiva, no selo Suma de Letras, uma história chocante e no melhor do estilo já consagrado do autor angustiante e por muitas vezes, cruel.
Conhecido por escrever alguns dos melhores romances e histórias das ultimas décadas, desenvolvendo narrativas que examinam sem adornos a sociedade estadunidense, King faz de seus textos um retrato crítico que poderá moldar dentro de um século a compreensão canônica de seu tempo, como Dickens ou Poe em seus dias. A alcunha ‘mestre do terror’ pode ser até lembrada por marketing das editoras ou por Hollywood, ou por muitas de suas obras usarem o medo como tema central, mas considero o autor um dos mestres da literatura contemporânea. E este novo livro se reúne a obras como À espera de um milagre, Saco de ossos, Ao cair da noite, O Iluminado, A zona morta, entre outras.
O título inicialmente me deixou cético, mas é Stephen King e poucas vezes me arrependi de ler algo do cara. Apesar das mais de mil páginas, que poderá afastar alguns leitores, a meu ver, a quantidade de personagens, contextos e tramas ao longo da narrativa justifica o número. Também o marketing no episódio dos Simpsons, onde Springfield foi isolada por um domo, me atraiu pelo pitoresco.
Os leitores sentirão logo nas primeiras cinco páginas o vigor cru e impactante da narrativa, a explosão do avião e o roedor sendo cortado ao meio são exemplos de como as descrições do ambiente e das cenas são detalhadas por King, sem retoques pueris. Mas o que realmente surpreende em Sob a redoma são os sentimentos e as sensações transmitidas, como a frustração e a impotência dos protagonistas são compartilhadas, sentimos a angústia e até mesmo claustrofobia, que nos sufoca ao longo das páginas.
Dos personagens, Dale Barbara e os Rennies (pai e filho), centram os demais na sobrevivência dentro da retoma. O primeiro é um ex-militar que trabalha como cozinheiro na cidade, estava indo embora quando a cúpula apareceu, foi forçado a ficar assume um papel central nos eventos em Chester’s Mill. Já os dois seguintes, antagonistas como são, possuem características peculiares que trazem a semente da violência, Big é totalmente corrupto, com uma sede de poder absoluta, fará qualquer coisa para alcançar seus planos, enquanto seu filho é um perturbado e sádico rapaz que sofre de fortes dores de cabeça causados por um tumor cerebral desconhecido. King já declarou que grande parte de seus romances tem alusões a conteúdos políticos. O autor afirmou, em entrevista à revista Time, que construiu as atitudes totalitárias de Big Jim Rennie como uma alusão à Guerra do Iraque e às políticas intervencionistas de George W. Bush.
A história se desenrola de maneira que dá aos leitores a sensação de que eles estão visitando a cidade, e na leitura, conhecem seus cidadãos, seus relacionamentos, seus desejos e ódios. A cúpula serve como uma lente onde o que estava escondido em cada morador se revela de diversas formas: desagradável, venal, nobre, altruísta, fraca, impressionável, forte e corajoso. Outros reconhecidos autores de suspense, como Neil Gaiman e Dan Simmons, também não pouparam elogios a este novo romance de King. Com seus direitos comprados pela Dreamworks Pictures, de Steven Spielberg, para adaptação a uma série de televisão, Sob a redoma é um thriller que traz como reflexão a potencialidade das ações humanas para o bem e o mal.
Em suma, Sob a redoma é de um teor angustiante e dolorido e de uma leitura viciante e trepitante. Para dar um exemplo, King não tem escrúpulos em matar personagens que passamos a gostar ou desconstruir personagens de simpáticos a psicóticos que passam a fazer coisas nitidamente horríveis. Mesmo com o número de páginas, devorei numa noite, e pela madrugada manteve-se em minha mente indulgente pela abordagem das cenas, a crueldade e o heroísmo de onde não se espera e o limiar-desenrolar da loucura. Leiam…
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