“Zoë Naiman Rozenbaum escreve os buracos que o amor deixou pelo caminho. Se trata de uma poesia que, ao encher as páginas e descrever ricamente situações e lugares, acaba por evidenciar o espaço entre dois corpos que outrora foram uníssonos. Ela constata que há um grande abismo entre o que foi e o que poderia ser – os cacos estilhaçados entre presente e passado são um mosaico que nunca poderá ser completado. Por mais que vasculhemos bem, sempre vai faltar um pedaço.” – Orelha assinada por Tóia Azevedo
Segunda publicação da escritora, pesquisadora e atriz em formação Zoë Naiman Rozenbaum, “E eu te matei bem aqui” trabalha o romantismo relacionado com a pequena morte que o fim de uma relação amorosa simboliza e a possibilidade de fazer dessa ruptura uma chance de ressignificar a ideia de amor. Publicada pela editora Laranja Original (100 pág.), a obra conta com prefácio assinado pela escritora, professora e psicanalista Natália Zuccala e orelha escrita pela artista visual e escritora Tóia Azevedo.
O evento de lançamento acontece no dia 27/10, às 19h30, no Teatro Garagem (Rua Silveira Rodrigues, 331A, São Paulo). O encontro contará com artistas convidadas: Anette Naiman, Arinha Rocha, Carolina Moreira, Débora Silvério, fe.mota, Ines Bushatsky, Luciana Caruso, Luiza Lindner, Patrícia Vilela e Samara Belchior. O evento também terá uma sessão de microfone aberto para participação do público a partir das 22h30.
“E eu te matei bem aqui” é o segundo livro de Zoë Naiman Rozenbaum que, além de escritora, é também pesquisadora e atriz em formação. Nascida em São Paulo (1997), atualmente, vive na França, onde estuda arte dramática no Conservatório Darius Milhaud Paris XIV. Cientista social graduada pela Universidade de São Paulo (USP), escreveu e publicou de forma independente seu primeiro livro de poesia “Mergulho em Apneia”, e atuou na peça “B de Beatriz Silveira”, dirigida por Ines Bushatsky, junto do grupo de pesquisa cênica F de Falso.
Quando amor e violência andam juntos em uma obra híbrida
Em “E eu te matei bem aqui”, amor e violência andam juntos, toxicidade e romantismo também. Dividido em prólogo, numerais romanos de I a XXXIX e um epílogo, o livro brinca com gêneros textuais e impõe ao leitor uma necessidade de atenção plena a esse jogo literário que evoca comportamentos relativos ao amor romântico. E a frase “Este crime foi planejado em 2021 e executado na terceira semana de janeiro de 2022” em suas páginas finais se mostra mais um artifício dessa brincadeira.
Natália Zuccala destaca a intencionalidade dessa aposta na hibridez no prefácio. “É inclusive esta auto enunciação o que faz com que a obra ultrapasse a instância dos gêneros literários nessa mistura de registros escritos e encontre a metalinguagem”, aponta. “Assim como o falar é ação, a elaboração é também obra (…) e a obra é elaboração, produtos da personagem/eu lírico e da autora. E, nessa mistura de formas literárias proposta por Zoë, que possa o leitor/espectador também entrar na catarse entorpecente proposta por ‘E eu te matei bem aqui’ e expurgar os próprios mortos.”
Essa miscelânea observada por Zuccala é algo associado ao processo criativo de Zoë no todo. Se fez presente no livro, mas é algo referente ao seu estilo e proposta literária. “Gosto de misturar linguagens artísticas diferentes, então estou com muitos projetos girando ao redor de poesia, dramaturgia, música e performance, declamação e interpretação de textos, principalmente contos curtos e prosa poética”, justifica a autora.
E a morte, o luto, a catarse e o renascimento são partes indissociáveis dessa proposta, como Tóia Azevedo afirma no texto de apresentação da orelha ao relacionar a criação como parte do processo dessa personagem: “Quando a falta é intensa, como não a materializar no próprio corpo? Alada como Eros, a mulher que ama demais se transforma no próprio amor e o manifesta tanto em criação – por exemplo, permeando a obra de uma linguagem metalinguística que tece o processo de escrita em paralelo ao luto – quanto em aniquilação: ‘eu destruí a obra / me destruí na obra / antes que tudo mais fosse destruído’.”
Ler “E eu te matei bem aqui” é se colocar diante de temas densos. A poeta afirma que seus poemas surgiram de sua necessidade de colocar no papel o que vinha de dentro, “todas as palavras, com suas letras pontiagudas, os sentimentos, pesando toneladas nas costas e no peito, ideias não ditas que me davam nós na garganta, pesadelos teimosos que não saiam da minha cabeça”.
Sinestesia, fluxo de consciência e vulnerabilidade na escrita de Zoë Naiman Rozenbaum
Influenciada por autoras como bell hooks, Ana Cristina César, Patti Smith e Cecília Meireles, a escrita de Zoë carrega aquilo que Virginia Woolf chamava de fluxo de consciência, assumindo um tom performático, rítmico, com traços de uma fala prolixa, ao escrever de maneira propositalmente repetitiva.
Segundo ela, as maiores influências do livro não vieram da literatura, mas sim de obras das artes plásticas, principalmente da escultora francesa Camille Claudel, com destaque para a obra L’Âge mûr, além de La Valse, L’Abandon, entre outras; além de obras como L’Éternelle Idole e La Cathédrale, de Auguste Rodin; a exposição Matières, de Bruno Catalano, e a escultura Roland Furieux, de Jean Bernard Duseigneur.
Olhar para o romantismo francês e italiano, que resgatavam narrativas mitológicas greco-romanas em suas esculturas, foi parte essencial no processo de escrita de seu segundo livro. Ela também destaca que a pesquisa de estudos sobre gênero e feminismo nas fontes sagradas do judaísmo e da liturgia judaica, em especial na figura de Lilith e a discussão de seu apagamento dos escritos bíblicos, o que também fez parte do seu processo criativo.
No momento, a poeta tem se dedicado à dramaturgia, à escrita performática, e aos desdobramentos que a teatralidade inerente a seus textos pode trazer para sua pesquisa, seja em prosa ou poesia. Seu processo criativo acontece a partir dessa mescla de gêneros, estruturas e linguagens, pois seu trabalho artístico é de caráter multidisciplinar.
Confira um trecho da obra “E eu te matei bem aqui” (pág. 24):
mal sabia eu
que no final da história
anti-herói
beirando o vilão
você se revelaria
na torre ou na masmorra
eu morreria
o conto de fadas
nem final feliz teria
me acabaria desgraçada, assombrada, maldita
me faria abandonada
uma mulher esquecida
acabada, perdida
execrada
expulsa do Paraíso
em pleno deserto
uma mulher que caminha
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