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"Virginia", trabalho mais recente de Coppola exibe o fascínio pela beleza e a pulsão pela morte

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“Virginia” é um filme interessante. Coppola consegue expor seu amor pela literatura, em especial pelos livros de suspense, com humor e beleza.

O filme lança mão de várias teorias em torno de um crime cometido numa cidadezinha americana aonde um autor de livros de suspense, Hall Baltimore (Val Kilmer), está promovendo seu mais novo trabalho. Existem algumas grandes frentes para se analisar esse crime: o histórico sombrio da cidade que inclui o assassinato de várias criancinhas numa antiga pensão que já foi frequentada pelo célebre escritor Edgard Allan Poe; a existência de um grupo de jovens que se mantem isolados do resto da comunidade e que adquirem fama de vampiros por causa de seus ritos, festas e modos de se vestir; a estranheza intrínseca da cidade, cujo relógio central possui diversas faces, cada uma com um horário diferente. Todos esses elementos parecem se misturar e os tempos de cada evento se confundir em meio às tentativas da personagem de Val Kilmer de chegar a uma solução ao mais recente crime, e a uma explicação do que poderia ser uma série de assassinatos.

Depois de um primeiro grande sucesso de crítica e de público, o escritor se vê cada vez mais distante de sua motivação primária e acaba assinando contratos que o obrigam a lançar livros numa tal frequência e sob tal pressão de lucro, que sua obra se torna mais uma cadeia de livros temáticos à procura do que está na moda e do que terá venda garantida. Descrente de seu talento e tendo sofrido uma tragédia pessoal, o autor, agora alcóolatra e decadente, pressionado pela mulher e pelo agente literário, encontra nessa cidade o que talvez seja a inspiração para um bom livro, e quem sabe até, uma obra autoral. Mas para isso, precisa de um final bombástico, de um final explosivo e o modo dele tentar dar sentido à história é através de seus sonhos.

A divisão entre fantasia e realidade nunca é realmente definida e ambas interagem como capítulos da memória afetiva do escritor, um brainstorm que nunca termina uma linha de raciocínio sequer. Somos guiados por um discurso literário, quase fluxo de pensamento, que não se compromete em preencher todas as lacunas, mas acaba criando cada vez mais espaços para dúvidas e intrigas. É como se a construção do filme seguisse a construção do livro. Essa reflexão, não à toa, se revela na personagem de Poe, interpretado por Ben Chaplin, cujas falas são citações quase literais de um de seus textos críticos mais famosos, Philosophy of Composition, no qual descreve seu processo de criação de “O Corvo”.

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Ainda sobre a mistura entre realidade e fantasia, “Virginia”, é mais uma reflexão, recorrente na obra recente de Coppola, sobre a perda do filho. A dor e o terror da realidade se mesclam e parecem buscar conforto e purgação na arte, dentro e fora do filme.

“Virginia” parece intimista, sem grandes pretensões, mas exibe grande maestria na capacidade do autor em passear pelo drama, o terror e a comédia de uma fala para outra, mantendo o ritmo e o carisma do filme. O trabalho de Val Kilmer é sensacional e o uso do preto e branco, mais uma vez, serve ao propósito estético da estória.

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Apesar de eventuais questões que o público possa ter, como a presença constante da trilha sonora ou o ritmo às vezes descompassado da narrativa, todos os elementos se combinam como um jazz de Charlie Parker ou um livro de Kerouak. Um fluxo constante, que às vezes se perde e começa um caminho diferente, que apesar de mais cru, e às vezes menos palatável, mantem a verdade e a força no impulso, um pouco como a obra de Coppola.

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