Quando pensamos em viver ou morrer, nós ocidentais de cultura judaico-cristã, nos vemos primeiramente inseridos no mito de céu, inferno, pecado, vida após a morte e redenção. Quando digo isto, não estou afirmando toda a crença plena e religiosa de alguém, mas sim o conceito cultural padrão que nos é apresentado por nossa sociedade. É claro que ao decorrer de sua vida as mudanças e experiências que vivencia podem fazê-lo mudar seus próprios conceitos religiosos e espirituais.
Em nossa visão, há a presença de um ser superior, Deus, que criou o céu e a terra, os animais e por último o homem, com sua imagem e semelhança. Neste ponto frizemos que isto se refere ao fato de podermos pensar e escolher. Ainda assim, conforme a bíblia, no gênesis, Deus nos deu o total controle sobre a natureza e os animais, para cuidá-los. Deixo abaixo a citação do gênesis que corrobora o que digo:
“Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra.”
Gênesis, capítulo I, versículo 26
Ou seja, em uma escala hierarquizada temos :
DEUS (criador) HOMEM (criatura com a capacidade de pensar e senhor da natureza) NATUREZA (criaturas criadas por Deus e submissas ao homem)
Com isto em mente, vou agora mostrar como o japonês, e de uma certa forma, os orientais em geral encara essa dualidade entre religião e morte.
A primeira diferença está em uma cultura politeísta, que aceita a existência de vários deuses. Por exemplo assume-se que exista um deus responsável para cada aspecto da existência humana e da natureza, muitos oriundos da cultura indiana.
Fato concreto também, é que não há exatamente uma relação de subordinação, mas sim de interdependência. Veja abaixo:
DEUSES (protegem a harmonia da natureza e do homem) HOMEM (ora aos deuses e equilibra a natureza) NATUREZA (fornece recursos ao homem e canaliza o poder dos deuses)
Percebe-se então que a igualdade espiritual é uma premissa básica e tal relação se dá no cotidiano com a crença certa de que o ser humano quando morre pode virar um espírito da natureza ou se ele evoluir o bastante, pode até mesmo chegar ao poder dos deuses. Quando não se chega a esse grau de perfeição, então o indivíduo em questão deverá reencarnar para continuar limpando o seu karma, até não precisar mais do plano físico como forma de existência.
Agora vamos nos aprofundar mais em outro conceito e então depois condensar tudo. O primeiro imperador japonês era descrito como descendente direto da deusa do sol, Amaterasu, e portanto, seus descendentes seriam encarnações divinas. Esse mito a cerca da divindade do imperador perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando publicamente o imperador Hirohito assumiu que não possuía mais tal condição.
No período em que as guerras civis explodiam pelo país (período Tokugawa) para tomar o poder da família imperial sem sofrer ataques de cidadãos revoltados por tal ofensa, os Shoguns instigaram a crença de que tudo o que estava acontecendo era em prol da defesa da família e que não respeitar sua decisão era o mesmo que desrespeitar a vontade do imperador, logo dos deuses também. Assim, para que a sua honra seja preservada por ousar não cumprir a vontade divina, o ofensor era aconselhado a acabar com a própria vida para livrar-se deste pecado e então “perdoado” voltar em uma próxima vida agraciado com a vontade divina. É por isso que se vê em várias mídias de entretenimento que retratam a época dos samurais, o suicídio como forma de salvação pelo fracasso ou desonra.
Desde essa época então, acreditam alguns estudiosos, que o Japão desenvolveu no suicídio uma ferramenta “natural” de protesto à várias situações. Seja de caráter social ou emocional o número de suicidas é alto por lá. Crianças em idade escolar cometem o suicídio porque não conseguem acompanhar o nível dos estudos e agüentar a pressão que se recai sobre elas por causa disso; homens de negócio falidos ou desempregados não toleram a possibilidade de encarar suas famílias; professores não conseguem suportar a pressão constante de cuidar de tudo ligado à educação de seus, comumente, mais de cem alunos e etc.
Eu particularmente, não consigo aceitar essa passividade que torna a vida algo tão banal. Mas cada um que cuide de si, que cada cultura seja o que o seu povo merece.
Dewa Mata Kondo !