The Promised Neverland é um anime que saiu em 2019, com 12 episódios e que recentemente ganhou o ecrã da streaming Netflix. A história nos apresenta três crianças que vivem em um orfanato onde tudo é perfeito, mas um dia descobrem um segredo obscuro envolvendo o lugar. Uma coisa tão perturbadora que eles devem escapar com as outras crianças do orfanato.
Análise
A ideia de uma boa adaptação pode muitas vezes nos confundir. Tratando de animes, grande parte do público pensa que se uma série animada não se limitar a seguir o roteiro do material original, no caso os mangás, e tomar certas liberdades criativas, não é uma “boa adaptação”. E essa ousadia causa um desdém, tendemos em dizer que o original é sempre a melhor fonte e se não seguí-lo, acaba sendo um fracasso.
Mangás e animes são meios diferentes, cada um possui sua linguagem própria. E vale ressaltar que adaptar não é o mesmo que copiar. Uma adaptação pode ser boa sem a necessidade de se ater totalmente ao conteúdo original. Fazer isso de forma eficiente com a essência do original é a resposta para composição de uma boa adaptação.
O estúdio CloverWorks fez com a adaptação em The Promised Neverland um trabalho satisfatório. Alguns detalhes do mangá de Kaiu Shirai são omitidos, o ritmo da narrativa é mais rápida e alguns eventos são alterados, mas a marcante dicotomia da obra original permeia a produção, assim como a constante sensação de opressão e perseguição.
O elemento psicológico está também presente, mas desenvolvido com mais nuances e eficaz no que se propõe a fazer.
Uma realidade dura por trás do silêncio
A cena de um grande portão, com suas barras em aço frio é mais do que um obstáculo. Emma, Ray e Norman, os três protagonistas, liberam sua curiosidade de infância espreitam. Sentem o que os separa do que está lá fora e que são proibidos de ver e assistem perplexos, perguntas inocentes como “O que você quer fazer se você sair?”
Em pouco tempo, as informações textuais e visuais fornecidas são apresentadas num lance perfeito, como ponto de entrada para o que realmente os espreitam. Mais tarde, a cortina se abre para mostrar a vida (aparentemente) idílica dos órfãos. O amor que se mostra é uma realidade, mas fica longe da sensação do início da série. E é aí, bem nesse dualismo, onde reside a magia inicial de The Promised Neverland.
Meninos e meninas de até 12 anos vivem em harmonia em Grace Field House. Sem laços sanguíneos, mas vivem como uma família verdadeira. A única adulta, a “Mãe” cuida de sua educação e desenvolvimento. As crianças vivem como são, alegres e despreocupados, até o dia em que mais uma delas encontrou outro lar aconchegante para pertencer. No entanto, e se isso tudo for uma mentira? Que o adeus entre lágrimas de felicidade e tristeza é o prelúdio de um fim trágico manchado com a cor do sangue, tornando impossível acreditar em qualquer coisa novamente.
É assim que conhecemos o que tem por trás daquilo tudo, por meio de Emma e Norman. O orfanato não é o lugar feliz que eles pensavam; na verdade, é apenas uma fazenda. O segredo que Grace Field House guardava escondido. Enterrado sob toneladas de sigilo. O gesto inocente de levar um bichinho de pelúcia de volta à garotinha que deixaria o orfanato para a vida “melhor” – torna-se o gatilho para uma revolução. O silêncio que envolve a descoberta, o medo das criaturas demoníacas, os soluços tímidos que precedem um grito tão doloroso quanto a realidade a ser enfrentada são maravilhosamente sentidos.
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A partir daí, o contraste da descoberta vai levando o trio a um plano, fugir daquele lugar. A produção é eficaz neste quesito, de fazer a adaptação, com direção fotográfica, com uma gama de cores quentes e luminosas, capazes de transmitir segurança e inocência. Mas há sequências que enfatizam – talvez demais – que nem tudo é tão idílico quanto parece ser.
A ênfase especial nos códigos numéricos que cada um dos órfãos carrega no pescoço já é um exemplo disso. A natureza enigmática do mangá é diminuída a fim de proporcionar ao espectador uma experiência mais focada no deleite audiovisual, só que mais explícita em detalhes.
The Promised Neverland é baseado no suspense, mantém a expectativa numa constante tensão sobre uma trama mais ou menos intrincada. O cenário que que essa trana suscita é desconhecida, tanta para seus espectadores como para os protagonistas da ficção. O desenvolvimento ao redor do orfanato é nefasta, a produção seletiva de gado. Órfãos são escravos, prisioneiros privados de qualquer futuro, presas como o alimento para uma raça demoníaca da qual praticamente nada se sabe.
A ligação entre esses dois mundos ainda é a “Mãe”, alguém em quem tiveram – e muitos órfãos ainda tem – fé cega. Quando tudo desmorona, as crianças precisam forjar um novo mundo. Livre de jugos e enganos. E aí que temos o jogo de inteligência entre o trio principal e Isabella (a Mãe do hospício). Emma, Norman e Ray, apesar da pouca idade, sua inteligência os eleva a um palco vestido como um tabuleiro de xadrez onde o menor detalhe conta . E onde o erro mais ingênuo se paga com sangue .
Próximo passo, o macabro
A experiência terrível que precede o segredo sombrio de seu mundo torna-se ao longo dos capítulos, um chamado à lucidez. E os obstáculos para a fuga vão além do físico, a “mãe” está ali, controlando, segura e convicta que vencerá, que ninguém pode privá-la de seu status privilegiado. Não hesita ao mover uma peça, mesmo que as sacrifique. E vale tudo para sobreviver e escapar é lutar contra o relógio.
O suspense, a intriga, as reviravoltas do roteiro, esse jogo foram bem adaptados da obra original para a produção animada. A narrativa vai gradualmente saindo do contexto familiar ao terror leve, mas que indica que a segunda temporada apresentará mais aventuras e terá um viés cada vez mais sombrio e macabro.
Adaptar não é copiar e o estúdio CloverWork de Death Note, caminha para uma direção mais do que notável. Tem falhas, mas as liberdades criativas que tomou dão ao anime uma identidade. E assim, desfrutamos dos dois lados de The Promised Neverland.
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