A onipresença de Hollywood, nas salas de cinema, serviços de streaming e canais de TV, faz com que, no mapa-múndi cinéfilo, os Estados Unidos estejam em lugar de destaque. É um gosto condicionado: vemos mais e gostamos mais dos filmes norte-americanos não porque eles são necessariamente melhores, mas porque temos mais acesso a eles. Por exemplo: quantos filmes feitos na Bósnia e Herzegovina você já viu? A maioria das pessoas responderia “nenhum” e isso é muito natural. Felizmente, o surgimento e proliferação do streaming fez com que novos mercados se abrissem. E se você ficou com vontade de ver um filme bósnio, está com sorte: acaba de chegar às plataformas digitais “A Perfect Love Story”.
Esta não é apenas uma história de um amor perfeito. É a história de um crime perfeito. Depois de roubarem um banco, um casal foge de carro. Acontece que eles são alter-ego de outro casal, formado por uma cineasta e seu namorado. A literal troca de casais em algumas cenas causa confusão desnecessária para os espectadores.
Há uma sequência, na metade do filme, com duas mulheres, aparentemente atrizes, conversando sobre o que é fazer um filme nos dias de hoje, manipular a realidade e poder haver metalinguagem no cinema. Essa sequência vai de encontro com a abertura, quando a cineasta tem um encontro com um possível produtor que desaprova completamente o roteiro que ela escreveu, definindo o filme pejorativamente como “feminino”. Ao chegar em casa, a cineasta desabafa para o namorado… e ao final ficamos sabendo que o filme que vimos é o roteiro que ela apresentou.
Filmes sobre fazer filmes existem aos montes. Do mudo “Fazendo Fita” (1928) aos clássicos “Crepúsculo dos Deuses” (1950) e “Cantando na Chuva” (1952), encontramos dramas, comédias e musicais sobre a indústria cinematográfica. Um exemplo bastante recente e também europeu é “O Segundo Ato” (2023), do inventivo diretor francês Quentin Dupieux. Numa trama que, a exemplo do que acontece em “A Perfect Love Story”, nos engana vez ou outra ao misturar realidade e ficção, o que fica é a eterna dúvida: o que de fato podemos classificar como “real”? Desde muito cedo no filme bósnio percebemos que existe uma narração, mas com o passar dos minutos isso vai escapando, ficando menos claro, até o final pouco satisfatório, mas coerente.
Há uma salada mista de línguas também. No filme fala-se bósnio, inglês, francês, italiano e ainda há músicas em espanhol. Isso reflete a colcha de retalhos que é a Europa, segundo o filme onde ainda é possível que todos se entendam apesar das diferenças culturais e de idiomas.
“A Perfect Love Story” é o longa de estreia da diretora Emina Kujundzic, nascida no Cairo, Egito, mas residente na Bósnia e Herzegovina. Antes, ela já havia trabalhado no cinema como figurinista e diretora de arte. Ficamos com a sensação de que ela poderia ter sido mais prudente com sua transição de carreira, pois tentou dar “um passo maior que a perna”. Isso fica patente na explicação que dá sobre seu filme:
“O amor pode sobreviver a mensagens pós-modernas e idiossincráticas, seguidas por uma evolução emocional analítica e filosófica? Como alguém pode estar contente enquanto está ciente e informado? Como ganhar e manter o reconhecimento e a aprovação do outro? Alguém pode sobreviver à realidade contemporânea da Bósnia e Herzegovina evitando lidar com seu passado; como salvar o dia, mas planejar o futuro e, mais importante, como amar e ser amado?”
Lana Ball, além de ter um pequeno papel, também é designer de produção. Você sabe o que esse profissional faz num filme? Trabalhando lado a lado com figurinistas, cinegrafistas e diretor de arte, o designer de produção é responsável pelo visual como um todo do filme. Assim sendo, Lana pôde explorar as cores também das belas paisagens naturais das locações tanto na própria Bósnia e Herzegovina quanto da vizinha Croácia.
O filme foi financiado por campanha de financiamento coletivo no site IndieGogo. Financiar filmes através de crowdfunding pode ter um nome recente, mas é prática antiga: o primeiro filme completamente financiado assim foi feito em 1976 na Índia! Nem todo filme feito graças ao crowdfunding pode ganhar um Oscar – como fez o curta documentário “Inocente”, de 2012 – e “A Perfect Love Story” até tem seus bons momentos, mas no geral é inchado e esquecível.
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