O texto abaixo contém leves spoilers
A cada temporada da série “The Boys” podemos observar o escalonamento não somente da violência e do humor de sua história, mas também do seu teor político – os episódios trazem sempre comentários extremamente atuais.
A grande expectativa dos fãs para este ano era a adaptação do arco “Herogasm” no episódio 6, o único dos capítulos que teve seu título divulgado com antecedência. Nessa HQ é mostrada uma grande orgia com os super-heróis, repleta de imagens impactantes. Apesar de todo o burburinho causado e da força que o episódio entrega, talvez esse nem tenha sido o melhor capítulo da temporada.
Após a revelação de que Tempesta é uma nazista e a ameaça de Maeve divulgar o vídeo que mostra Homelander deixando um avião lotado de passageiros explodir, encontramos os protagonistas de “The Boys” em um novo momento no início da terceira temporada.
Hughie está trabalhando para o governo, em uma agência especial de controle de supers, enquanto vive a melhor fase de seu relacionamento com Annie; Butcher e seus companheiros estão trabalhando para essa mesma agência, intervindo contra abusos cometidos por alguns supers, que estão saindo da linha.
Tudo muda rapidamente, porém, quando Hughie descobre um grande segredo envolvendo sua chefe, ao mesmo tempo em que Homelander descobre ser possível aumentar ainda mais seu índice de aprovação popular se mostrar claramente seus pensamentos reacionários na mídia. O super resolve então usar essa estratégia para se livrar das amarras da Vought e assumir o controle da empresa.
É nesse contexto que temos a introdução de um novo personagem que será fundamental no desenvolvimento desta temporada: Soldier Boy (interpretado por Jensen Ackles, o eterno Dean Winchester de “Supernatural”), o primeiro e mais importante super-herói criado pela Vought, que havia sido dado como morto décadas antes, mas que na verdade tinha sido aprisionado em instalações militares na Rússia.
Seguindo a premissa da série de que todos os supers apresentados são sátiras de algum personagem icônico da história dos quadrinhos, Soldier Boy nada mais é do que uma versão mais perturbada do Capitão América da Marvel, em parte se aproximando de sua fase Ultimate. Soldier Boy se apresenta como um típico norte-americano dos anos 40 pensava e agia: machista, preconceituoso, arrogante, idiota. Jen Ackles entrega um excelente trabalho, apresentando um personagem deslocado no tempo e ao mesmo tempo desbocado, truculento e com sangue nos olhos em busca de vingança.
A terceira temporada apresenta bons momentos para todos os personagens, dentre os quais alguns se destacam mais: o amadurecimento da relação entre Frenchie e Kimiko; Black Noir e seus delírios com desenhos infantis; Milk e seus relacionamentos familiares; Butcher cada vez mais incontrolável e tendo que lidar com seus fantasmas.
O ponto de maior destaque na série são seus comentários políticos extremamente atuais. Por exemplo, vemos o herói A-Train com seus poderes em baixa, lidando com críticas da família que ele abandonou no auge de seu sucesso. Seu irmão o acusa com veemência de nunca ter feito nada para ajudar sua comunidade, permitindo que supers façam a vigilância local e ajam com brutalidade contra os moradores, em uma analogia direta à truculência com a qual a polícia norte-americana age com as comunidades negras. E sendo “The Boys” uma série que fala sobre o cinismo dos ditos “heróis”, A-Train tenta consertar seu comportamento e ser uma pessoa melhor, mas ele só piora a situação de todos os envolvidos, causando algumas tragédias.
A crítica mais importante trazida pela terceira temporada não está no comportamento dos supers, mas sim nas reações da população diante dos fatos que eles testemunham. Nada é mais atual do que vermos ditos “heróis” cometerem atrocidades e crimes contra à humanidade e serem aplaudidos por uma massa de cidadãos, que vibram com toda a intensidade que existe dentro de si a favor de seus ídolos, abandonando a razão, ensinamentos e mesmo o caráter, para defenderem esses líderes, não aceitando que eles possam estar errados e culpabilizando a grande mídia por denegrirem sua imagem.
Talvez seja essa a principal mensagem transmitida por “The Boys”: a série, que foi concebida para ser uma grande crítica aos super-heróis dos quadrinhos, é, na verdade, uma grande crítica à sociedade em que vivemos hoje.