Adolescência: Um sucesso que não escapa das próprias limitações

A minissérie Adolescência (Adolescence), lançada pela Netflix em 2025, conquistou o topo das paradas em 71 países. Dirigida por Philip Barantini e escrita por Jack Thorne, com a colaboração de Stephen Graham, a produção britânica é um feito técnico inegável: quatro episódios rodados em plano-sequência, uma escolha estilística que, embora nem sempre evidente ao espectador desavisado, reforça a intensidade de sua narrativa. Mas, por trás do brilho técnico e do sucesso estrondoso, será que Adolescência entrega a profundidade que promete ou se perde em seu próprio virtuosismo?

Adolescência | Trailer oficial | Netflix

A trama acompanha um adolescente comum de 13 anos, interpretado pelo estreante Owen Cooper, que é detido sob a acusação de assassinar uma colega de escola. A partir daí, a série mergulha em temas pesados e atuais: bullying, cyberbullying, fragilidade masculina, misoginia e a ascensão da cultura incel. São questões que, nas mãos de roteiristas britânicos como Thorne e Graham — conhecidos por obras como This is England e The Virtues —, ganham contornos realistas e incômodos. Graham também faz o papel do pai do jovem e a proposta é ambiciosa: usar o caso como lente para explorar as fissuras de uma sociedade que falha com seus jovens. E, em grande parte, Adolescência acerta ao evitar didatismos baratos, confiando na força de seu elenco e na crueza da narrativa.

O destaque, sem dúvida, vai para Owen Cooper, cuja atuação é um achado raro. Em seu primeiro papel, ele carrega a complexidade de um personagem que oscila entre vulnerabilidade e escuridão com uma naturalidade desconcertante — especialmente no terceiro episódio, filmado quase inteiramente em uma única locação, que parece ter sido o ponto de partida de sua jornada no set. Stephen Graham, por sua vez, é uma presença confiável, mas não surpreende: seu talento é esperado, quase uma garantia. O restante do elenco também brilha, sustentando a tensão emocional que a série exige.

No entanto, é impossível ignorar que Adolescência tropeça em suas próprias escolhas. O plano-sequência, por mais impressionante que seja, às vezes parece mais um exercício de estilo do que uma ferramenta a serviço da história. Exceto pelo já mencionado terceiro episódio, onde a técnica amplifica a claustrofobia da situação, os outros capítulos transitam por diferentes cenários de forma tão fluida que o recurso perde impacto — e, com isso, a narrativa pode soar fragmentada. Há uma sensação de que o virtuosismo técnico, embora admirável, ocasionalmente ofusca a profundidade do conteúdo, um problema que ecoa críticas feitas a produções como O colapso da Amazon Prime: o continente impressiona, mas o conteúdo nem sempre acompanha.

O roteiro, assinado por Thorne e Graham, também não escapa ileso. Apesar de abordar temas relevantes com coragem, a minissérie sofre com a limitação imposta por seu formato. Quatro episódios, ainda que intensos, não parecem suficientes para desenvolver plenamente as camadas de seus personagens ou as implicações sociais que levanta. O resultado é uma obra que sugere mais do que entrega, deixando pontas soltas e uma leve frustração no espectador que esperava um desfecho mais contundente. É como se a série, prisioneira de sua própria estrutura, não conseguisse “rematar” o que propõe, como bem apontado em algumas análises iniciais.

Ainda assim, Adolescência é inegavelmente uma conquista. Seu apelo emocional, aliado ao talento de seu elenco e à ousadia técnica, a posiciona como uma forte candidata na temporada de premiações — talvez um retorno triunfal da Netflix após o sucesso de Bebê Rema (2024). Trata-se de uma joia bruta, que demonstra o potencial da plataforma para produzir televisão de qualidade quando investe em criadores competentes. Mas, para além do deslumbr, fica a pergunta: seria ela mais impactante sem o peso de suas ambições estilísticas? Talvez. Por ora, Adolescência é um prodígio que encanta, mas que não escapa das costuras que o próprio brilho revela.

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