Os quadrinhos nacionais crescem em números, cativando pelas produções e pela qualidade. E é sempre uma boa notícia encontrar um novo título em quadrinhos, e se for de um super-herói, em meio ao maisntream; é muito agradável, ainda mais se for num contexto totalmente nosso, em nossa raiz.
Dentro do subgênero super-heróico, a la Homem-Aranha ou Flash, títulosbrasileiros não conseguem seguir a linha das demais produções. Tanto que foi a partir de uma pergunta; de um tutor de um projeto de uma Biblioteca Itinerante é que chegamos nesse título.
Longe das sátiras ou das linhas ingênuas, com supers violentos, ultranacionalistas e saudocistas dos anos 1990, Airton Marinho traz o seu Cabra D’água distante dos arquétipos comuns da cultura norte-americana. Decodificando o gênero, adapta ao nosso lugar comum, à nossa cultura, ao nosso sertão nordestino.
O personagem é um herói errante, um cabeludo bem vestido, conversador e cheio de atitude. Cristiano Valente, é o nome dele; ou como gosta de ser chamado; o Cabra D’água. Vagando pelo sertão nordestino; usando suas habilidades de manipular a água para resolver conflitos e ajudar o povo sertanejo; ao mesmo tempo que aprende sobre esses novos poderes com coragem e bom humor.
Ele apareceu pela primeira vez em Gibi Quântico # 1, em 2014. Logo ganharia uma edição especial, Cabra D’água – Terra Sitiada (2017) pela Editora Draco. Em 2019, mais uma edição, Cabra D’água e a peleja contra os gigantes, novamente com Marinho no roteiro e arte de Lederly Mendonça (Turma da Mônica).
Cabra D’água – Terra Sitiada
A cidade de Gado Bravo foi sitiada pelo bando do Gordão, as autoridades locais foram dominadas. Seus moradores estão proibidos de sair de casa enquanto tudo está sendo destruído. O terror tomou conta! Mas Gado Bravo também é onde mora Cezinha; um garoto esperto que tem o amigo mais poderoso do sertão: Cabra D’água!
Cabra D’água e a peleja contra os gigantes
Após controlar um estouro de manada, um rapaz de camisa branca, calça preta e cabelo comprido acaba se metendo nas artimanhas dos poderosos de uma cidadezinha do interior do nordeste. O que os aproveitadores não sabem é que esse é o Cabra D’água, um sujeito totalmente feito de água que não leva desaforo pra casa.
Cabra D’Água e a Peleja Contra os Gigantes é a primeira graphic novel desse herói nordestino que tropeça em problemas por onde passa. Com um passado misterioso, o Cabra está disposto a usar todos seus poderes de controle da água para ajudar os moradores de uma das regiões mais quentes e carentes do Brasil. Seria ele capaz de impedir que homens poderosos escravizem os jovens daquele povoado?
Análise das HQs
Tanto Cabra D’água – Terra Sitiada quanto Cabra D’Água e a Peleja Contra os Gigantes são narrativas simples, desenvolvidas para entreter e trazer uma brasilidade que muitos gibis nacionais não possuem, em especial, os super-heróis comuns das redes sociais.
A escolha dos poderes do personagem é curiosa, pois o elemento água em sua falta assola nossa região.
Ao abordar um herói que se diferencia dos super-heróis gringos, o paraibano Marinho constrói um cenário fantástico no nordeste brasileiro, que lembra um Bacurau amalgamado com O Auto da Compadecida, fugindo do padrão divino que encontramos nos personagens da Marvel ou da DC, acrescentando toques do regionalismo, bem conectadas com o ambiente da narrativa.
O personagem, um paladino com poderes de água que vaga pelo sertão nordestino, é um símbolo que entusiasma, por acrescentar características tão nossas. É um herói que não vai salvar o mundo; mas vai fazer de tudo para ajudá-lo a se salvar. Luta ao lado do sertanejo, dos necessitados e do povo sofrido, escravizado pelos mais ricos.
São quadrinhos de aventura, em um cenário brasileiro, que nos aproxima e diverte, com diálogos cheios de expressões e referências populares. Precisamos dessa brasilidade e não daqueles personagens militares e antiheróis que encontramos por aí;
As duas HQs trazem narrativas aventurescas e divertidas; mas o mistério envolvendo o protagonista e seu passado; e como obteve e como funciona seus poderes não são esclarecidos. Como as edições não foram mensais, levantam essa dúvida e nos deixam um pouco gorados
Caatinga como cenário
A arte dos cearense Ronaldo Mendes na edição Terra Sitiada e de Lederly Mendonça em Cabra D’água e a peleja contra os gigantes são acertadas. Ambas cartunescas, com um tom leve, contrastante com o cenário da caatinga e a narrativa; Mendes em P&B e Mendonça em cores trazem a aridez do sertão de sua maneira, mas a graphic novel com as cores quentes complementam melhor o cenário da caatinga.
Uma narrativa leve, que diverte, com uma trama acertada, que trazem a inspiração pela liberdade e defesa do nosso povo. As histórias do Cabra D’água apresentam um bom número de possibilidade para exploração. Quem sabe até mesmo um universo com outros personagens que seguem essa mesma linha.