Daniel Gil: quando o poeta faz poesia!

Reside em Daniel Gil um sério problema que o impede – por enquanto – de ser reconhecido como um dos melhores poetas contemporâneos do Brasil: é tímido. Você não o encontrará esvoaçando palavras a qualquer custo nas redes sociais e nem dando shows performáticos em saraus. Daniel tem feito o que todo poeta deveria fazer: poesia. Deu sorte, evidentemente auxiliado pelo talento, em compor seu trabalho com um time de mão firme e olhar adiante.
Seu “o amor curvo” (2018/Oito e Meio) é dos mais belos livros do ano. Com capa e desenhos internos de Felipe Stefani, hoje o mais disputado dos ilustradores brasileiros, e edição milimetricamente precisa de Flávia Iriarte, Daniel transita pelas várias formas, imprecisões e sentidos do amor. Percorre de A a Z, literalmente, as variáveis que o amor produz, sobretudo as decepções intrinsecas ao amor verdadeiro.
Com erudição e cuidado escreve versos harmônicos como:
“Eu te amo com espanto / E solidão // Com as lâmpadas oblíquas / Do céu fechado // Da roupa esgarçada / Do incrédulo que reza / E não sabe”
Flui, em sua sutileza, algo tão belo e doce como a comparação dos olhos úmidos e verdes ao lodo:
“Tem nos lábios o gesto forte: / Seu gesto forte é cor de rosas / Tem na pele o palor dos dentes / Tem olhos úmidos e verdes como o lodo”
Doutorando em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos maiores especialistas na obra de Vinícius de Moraes, Daniel não se deixa influenciar pelo seu objeto de estudo ao compor seu trabalho. Conseguiu construir uma poesia forte e única, com voz e densidade característica.
A escrita do poeta é marcada pelo refinamento, pela qualidade estética e rigor, muitas vezes esbarrando no academicismo. Mas é extremamente agradável e original. Se Daniel Gil está fazendo o que todo poeta deveria fazer, meramente a boa poesia, sua editora está realizando algo fabuloso ao manter um nível absurdo de qualidade em suas obras.
 
É um livro para ser lido em voz alta, repetidas vezes. Dos melhores do ano.
“Vou embora, vou levar / Meu amor e no amor vive / O esquecimento e / Com você voa rente / A viúva esmaecida / Porque não morre
 
O trabalho do poeta e ensaísta Daniel Gil pode ser acompanhado pelo seu site, e “o amor curvo” pode ser adquirido pelo site da Editora Oito e Meio.
 
Seguem alguns poemas do livro:
 
E
Eu te amo com espanto
E solidão.
 
Com as lâmpadas oblíquas
Do céu fechado
 
Da roupa esgarçada
Do incrédulo que reza
E não sabe.
 
Amo como um troglodita
E não te digo
 
O amor curvo
Feito criança com medo.
 
Mas esse meu amor
É mais bonito que a água
 
É simples como um tropeço
É maior que o tempo
 
Esse adivinho espantado
Ensimesmado.
 
Eu te amo como quem
Já não acreditava.
Juro.
 
 
 
V
 
 
Sono: duas
Borboletas pousadas
Em teu rosto.
 
Suas asas
Se acalmam desaceleradamente.
 
 
Y
Ao passar pelos meses, pelos anos
Vivo em minha memória nossos dias
Os dias que morreram no passar
Neurótico do tempo, mas que vivem
 
Como vivem na mente de um infante
As imaginações de algum futuro.
Passam e sobrevivem onde vivo
Como se nada houvesse acontecido
 
Como se nossos dias nos ainda
Fossem surgir ou como se me fossem
Uma ideia inventada de repente
Que ao ver um vulto foge, estranha ave
 
Ao passar pelos meses, pelos anos
Como se nunca houvesse acontecido.
 
 

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