O monólogo A descoberta das Américas, que está em cartaz há pouco mais de dez anos, abriu lindamente a mostra Solos na Sede (coordenação e idealização de Ivan Sugahara e Tárik Puggina), que leva seis monólogos, com três apresentações cada, ao longo do mês de junho, à Sede das Cias. E essa abertura não poderia ter sido mais bem escolhida.
Julio Adrião, que já fez apresentações com o espetáculo em diversos Estados e cidades brasileiras, está sozinho no palco. Não há um cenário, a iluminação não tem participação especial e, sendo um monólogo, não há outros atores. Mas, de tão imenso, ele se torna muitos. É como se com ele houvesse todas as paisagens que descreve e por qual seu personagem passa, e todas as pessoas e todos os fenômenos da natureza que incidem sobre a vida do personagem. O ator, completíssimo através de suas mímicas, trejeitos, entonações, e com a verdadeira ginástica que faz no palco ao longo dos oitenta minutos do espetáculo, é capaz de construir imagens incríveis e completíssimas, além de, claro, hilárias.
De fato, a parceria de Julio é com a diretora Alessandra Vannuci. O trabalho de equipe de ambos é fundamental. Como ela escreve no programa da peça, citando Grotowski, “o espetáculo está na cabeça do ator” e não há verdade maior nesse A descoberta das Américas, que, durante os dez anos de convivência e história, passou por algumas transformações de modo a tirar os poucos recursos que a peça ainda carregava, como a rede, que não existe mais.
O texto original de Dario Fo, traduzido e adaptado por Alessandra e Julio, já é fenomenal, de uma criatividade absurda. A adaptação por eles realizada permite que a peça caiba como uma luva no contexto brasileiro. Há momentos impagáveis, como o combate entre tribos rivais e a forma como o personagem de Julio, Johan, salva o pajé e depois se vê obrigado a salvar centenas de outros índios moribundos após a batalha. Ou então a catequese que ele tenta promover na tribo, passando por saias justas engraçadíssimas para explicar os dogmas católicos aos quais os índios deverão se devotar, mas que parecem não fazer o menor sentido. E a forma como os índios se apoderam de alguns aspectos desses dogmas, transformando, por exemplo, a música sacra da religião cristã num verdadeiro samba-enredo.
É absolutamente impressionante a habilidade do ator, no palco, como se ele pudesse se desdobrar em camadas e mais camadas de tipos, vozes, caras, como também são impressionantes as soluções dramatúrgicas encontradas pela dupla Julio e Alessandra para encenar a riqueza da história e seus múltiplos detalhes, denotando ainda uma capacidade de observação impressionante na composição dos personagens, dos cenários e das reações que permeiam a história.
Foram três exibições na mostra da Sede das Cias, mas o espetáculo, longevo que é, ganhará novas temporadas em teatros no Rio de Janeiro. É só conferir o périplo de Julio Adrião e Alessandra Vanucci pelos teatros da cidade, pelas cidades das Américas. Eles estarão de volta em breve. E, em suma, a melhor palavra para definir o espetáculo é: imperdível.
(Obs. A mostra Solos na Sede segue trazendo mais espetáculos durante o mês. O próximo é Calango Deu, com Suzana Nascimento no texto, atuação e direção musical, e Isaac Bernat, na direção, com apresentações de 28 a 30 de maio.)
FICHA TÉCNICA
Texto original: Dario Fo
Tradução e adaptação: Alessandra Vannucci e Julio Adrião
Direção: Alessandra Vannucci
Atuação: Julio Adrião
Iluminação: Luiz André Alvim
Operação de Luz: Guiga Ensá
Figurino: Priscilla Duarte
Programação visual: Fernando Alax
Fotografias: Maria Elisa Franco
Produção Executiva: Thais Teixeira e Martha Avelar
Assessoria de Imprensa: Diversa & Fabulanas
Coordenação de Produção e administração: EmCartaz Empreendimentos Culturais
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