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Do mesmo criador de Downton Abbey, “A Idade Dourada” é novelão de qualidade

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É 1882, e Nova York é uma terra de aparências. O pai de Marian Brook (Louisa Jacobson) deixou apenas 30 dólares de herança para ela, obrigando a jovem a ir morar na Quinta Avenida com suas tias, a viúva Agnes (Christine Baranski) e a “solteirona” Ada (Cynthia Nixon).

Marian leva consigo a talentosa Peggy Scott (Denée Benton), moça negra que logo é contratada como secretária por Agnes – mas seu sonho é ser escritora. Na nova morada, Marian será cortejada por Tom Raikes (Thomas Cocquerel), moço que a tia Agnes desaprova por acreditar que ele só quer usar Marian para ascender socialmente.

Também na Quinta Avenida, numa mansão recém-construída, vive a família Russell: George (Morgan Spector), Bertha (Carrie Coon) e os filhos Larry (Harry Richardson) e Gladys (Taissa Farmiga). O maior desejo da senhora Russell é ser aceita como parte da alta sociedade nova-iorquina, enquanto o senhor Russell é um construtor ambicioso.

O filho de Agnes, Oscar (Blake Ritson), se interessa pelo dinheiro de Gladys e considera casar-se com ela. Mas terá desafios para conseguir o que deseja: Bertha é muito rigorosa quando se trata das amizades e mais ainda dos romances da filha, enquanto George concentra seus esforços para que seu filho siga seus passos.

Sem dúvida a trama mais interessante fica por conta de Peggy Scott, que precisa enfrentar o duplo desafio de ser mulher e negra enquanto navega no mundo editorial, sedenta para que suas histórias sejam publicadas. Peggy vem de uma família abastada, mas quer conseguir sucesso sozinha. Ela também traz um trauma do passado que adiciona mais uma excelente camada dramática à personagem.

Os dramas dos membros da alta sociedade nova-iorquina, em A Idade Dourada, são iguais em importância aos dramas de seus criados. O foco é na numerosa criadagem das mansões vizinhas, Russell e Brook/Van Rhijn. Nunca é escolhido de fato um protagonista para a série – embora o piloto aponte para um protagonismo de Marian – e aos poucos e com maestria as histórias vão se entrelaçando, inclusive as dos criados e seus patrões.

Agnes diz que Nova York é formada por uma série de aldeias, e que ninguém conhece as pessoas de fora de sua aldeia. O que vemos em A Idade Dourada é uma cidade em transformação, na qual a alta sociedade é composta ao mesmo tempo de famílias tradicionais e novos ricos, e os embates entre os dois são inevitáveis. Isso fica muito patente na ópera, um local aristocrático desde sempre, mas que não parece aberto a novos ricos. A solução histórica é simples: se uma casa de ópera não te aceita, crie uma nova – ela pode inclusive vencer o teste do tempo, como aconteceu em Nova York.

Louisa Jacobson é filha de Meryl Streep. Taissa Farmiga é irmã mais nova de Vera Farmiga. Ambas provam que talento pode, sim, ser genético. Além delas, são destaque no elenco diversos atores e atrizes da Broadway que fazem pequenas participações. Tais artistas foram contratados da cena teatral porque a Broadway passou muito tempo fechada devido à pandemia de coronavírus.

Esse fato fez Christine Baranski declarar que A Idade Dourada provavelmente é a série com maior número de ganhadores de prêmios Tony no elenco – tendo Denée Benton, intérprete de Peggy, e Carrie Coon, que faz Bertha, sido também indicadas ao prestigioso prêmio do teatro.

Como geralmente acontece nas séries de época, o destaque vai para os cenários e figurinos. Além de serem um deleite para os olhos, os figurinos, bem característicos do período retratado, dão dicas sobre os personagens. Por exemplo: Ada usa vestidos com cores mais alegres que sua séria, e por vezes antipática, irmã Agnes.

A figurinista Kasia Walicka Maimone teve um desafio extra, além da pesquisa histórica necessária para desenvolver o figurino: ela teve de esconder a gravidez de Carrie Coon nos muitos tecidos dos vestidos da personagem.

“Gilded Age” não é somente o título em inglês de A Idade Dourada: é também um termo usado para se referir ao período de tempo, nos Estados Unidos, que vai de 1865 até 1900 – uma espécie de pequena Era Vitoriana estadunidense.

O período, segundo historiadores, é marcado por contrastes entre exageros de opulência e pobreza extrema. Mas o que vemos na série é apenas a riqueza, contando ainda com o surpreendente caso de uma família negra muito rica, os Scott do Brooklyn. A maneira como a família Scott vive é um choque para o espectador e também para Marian Brook, mas não é invenção da série: na época, apesar da terrível segregação, existiam muitos negros educados e financeiramente prósperos.

Há momentos tirados literalmente da história para a tela, como o evento em que Thomas Edison iluminou um edifício inteiro com suas lâmpadas elétricas e a alta sociedade nova-iorquina estava lá para assistir a tudo. Este episódio, além do já citado celeuma da ópera de Nova York, ajudam na ambientação da série e lhe garantem inclusive mais credibilidade.

A comparação entre A Idade Dourada e outra série de época bem-sucedida, Downton Abbey, é inevitável. Mais ainda por ambas terem sido criadas por Julian Fellowes. Downton Abbey esteve no ar entre 2010 e 2015, quando a regra geral era de muitos episódios por temporada, regra que a série britânica não seguia, uma vez que havia sido concebida como uma minissérie. Mesmo antes de Downton Abbey terminar, já havia a semente, a ideia de A Idade Dourada na mente de Fellowes: ele começou a trabalhar no projeto em 2012 e, nessa uma década que passou, o projeto mudou de emissora e encontrou na HBO o escopo e o orçamento para que todas as ambições de Fellowes fossem transpostas para a tela.

Julian Fellowes diz que esta é a “idade dourada”, e não a “idade de ouro” porque a riqueza, assim como todo o resto, é superficial, não há profundidade. É uma época de aparências, não muito diferente da nossa. Pode não haver redes sociais, seguidores e filtros em A Idade Dourada, mas há essa necessidade de se sentir aceito, validado, por vezes até mesmo amado.

A desigualdade social atual também não é muito diferente da que existia na “Gilded Age”. Talvez no futuro façam uma série sobre esses nossos tempos atuais, essa “idade dourada” da internet. Só resta torcer para que seja tão bem feito como a série A Idade Dourada.

Nota: Excelente – 4 de 5 estrelas

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