Festival do Rio 2024 – Almodóvar anglófono encanta com “O Quarto ao Lado”

Pedro Almodóvar nunca lidou bem com a questão do envelhecimento, isso é nítido em sua obra. No entanto, agora que chega à terceira idade, a finitude naturalmente o aflige ainda mais, basta observar como ele cada vez mais reflete sobre doenças e morte em suas obras, ou pelo menos sobre o declínio inevitável que todos enfrentamos — algo difícil de aceitar. Em “O Quarto ao Lado”, assim como em “Dor e Glória”, um de seus trabalhos mais emocionantes, ele aborda o fim, só que se aprofundando ainda mais. Se no filme de 2019 ele já explorava as angústias do envelhecimento e a crise de um artista, agora, neste seu primeiro longa em inglês chega reflexão sobre o enfrentamento da morte.

Adaptação do romance “What Are You Going Through” (2020), de Sigrid Nunez, com roteiro assinado pelo próprio Almodóvar, “The Room Next Door” (no original) mostra Ingrid e Martha, duas amigas que se conheceram em Nova York nos anos 1980, mas se distanciaram ao longo do tempo. Ingrid, uma escritora de sucesso, descobre a doença de Martha durante um evento de autógrafos. Apesar de não ver a amiga há anos, ela a visita no hospital, onde rapidamente retomam a intimidade perdida. Martha, que foi correspondente de guerra por muitos anos, tem uma filha, Michelle, nascida quando ela ainda era adolescente. No entanto, Michelle a acusa de ser uma mãe ausente e guarda rancor por nunca saber quem é seu pai. Martha não nega nada disso, mas lamenta que a relação com a filha não seja mais próxima. Agora, com o câncer cervical em estágio avançado, ela vê as coisas sob uma nova perspectiva. Embora aposte em um tratamento experimental, ela fica arrasada ao saber que não funcionou.

Martha toma uma decisão extrema: consegue, pela Dark Web, uma pílula ilegal que garantirá uma morte rápida. Ela planeja tudo com cuidado, deixando uma carta explicando que foi inteiramente responsável por sua escolha, para que ninguém pense que houve crime. Seu maior desejo é não morrer sozinha. No momento decisivo, ela quer que uma amiga esteja “no quarto ao lado”. Essa tarefa é incumbida a Ingrid, embora ela inicialmente se recuse a participar.

O início do filme não deixa claro o gênero. É uma típica história sobre amizade, mas também sobre uma mulher lidando com uma decisão solitária e difícil. Mesmo que Almodóvar introduza uma ou outra piada leve, a atmosfera é predominantemente melancólica com momentos de humor negro sagaz, mas sem se comprometer totalmente com esse tom.

Em certo ponto, Martha expressa sua raiva não apenas contra a doença, mas também contra os clichês que as pessoas usam para falar sobre o câncer, tratando-o como uma “batalha” que mede a força e o valor de quem o enfrenta. “Se você perde, é porque não lutou o suficiente,” ela diz, amarga. Por isso, ela pleiteia o direito de escrever seu próprio final: “Eu mereço uma boa morte.”

À medida que a narrativa avança, ocorre uma espécie de transformação inesperada. Nos momentos finais, o filme alcança uma serenidade e harmonia sutis.

A mudança de cenário para Nova York não afetou o estilo de Almodóvar contar história. Ele soube explorar os matizes nova-iorquinos dentro de sua estética. As cores quentes estão lá, inclusive o cabelo vermelho de Ingrid ganha bastante destaque na fotografia de fotografia de Eduard Grau. Ele nos atrai para a história por meio de cores vibrantes como lima, lilás, escarlate e açafrão.

É um prazer ver duas atrizes do quilate de Tilda Swinton e Julianne Moore em cena. A química entre as duas atrizes é indiscutível e mostra o quão acertada foi a escalação pelo diretor, da mesma forma como é possível notar o quanto de contribuição elas deram ao pleno funcionamento do roteiro. Aquela parceria entre diretor e elenco que rende o melhor dos resultados.

“O Quarto ao Lado” pode ser interprestado até mesmo como um ensaio para uma despedida, embora seja improvável que isso aconteça em breve. A experiência anglófona de Almodóvar foi um acerto, mostrando que, assim como Woody Allen, que já filmou na Espanha e fez seu filme mais recente em francês, não importa o território que situe sua história, será sempre encantadora e com sua marca fortemente impressa.

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