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Feud: Bette and Joan – e os ídolos que também sofrem

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Como falar de uma história que eu conheço tão bem? A emoção foi à flor da pele quando fiquei sabendo que a primeira temporada da nova série de Ryan Murphy trataria da rivalidade entre Bette Davis e Joan Crawford. E na mesma proporção cresceu meu medo de que a série avacalhasse na maneira de retratar as duas divas.

Felizmente, o pior não aconteceu, e nem poderia acontecer. Com um time perfeito, em frente e por trás das câmeras, só poderia sair algo maravilhoso como foi esta primeira temporada de “Feud”. Ela se beneficiou também do fato de ter apenas 8 episódios ao contrário dos 10 ou 13 que outras séries de Ryan têm atualmente por temporada.

A grosso modo, Feud conta as histórias dos bastidores das filmagens de “O que teria acontecido a Baby Jane?” (1962), mas os temas abordados são muito maiores, universais mesmo – ou universais no contexto de Hollywood.

Bette e Joan eram, na verdade, muito parecidas. Apesar de terem origens diferentes, chegaram no mesmo lugar: no alto do Olimpo hollywoodiano nos anos 30 e 40. Enfrentaram sexismo e o sistema de estúdio, cada uma à sua maneira. No começo dos anos 60, estavam sofrendo com os mesmos problemas: escassez de papéis, solidão e síndrome do ninho vazio.

Quando elas estavam começando a se dar bem durante as filmagens, o produtor Jack Warner insistiu para que Robert Aldrich, o diretor, alimentasse a rivalidade para gerar buzz. Aldrich e Warner colocam uma contra a outra para controlá-las, porque juntas elas conseguiam tudo que queriam. Isso ainda é uma técnica comum para retirar poder das mulheres.

Mas em oito episódios a série precisava escolher um foco, e foi um grande acerto dar mais espaço para Joan que para Bette. Primeiro porque a história de vida e a trajetória de Joan são mais ricas e complexas. Segundo, porque esta é a oportunidade perfeita para destruir a má reputação que Joan Crawford começou a ganhar a partir de 1978, quando sua filha publicou o livro difamatório “Mamãezinha Querida”.

Não é de se espantar que a maioria dos que viram a série não conheciam Bette e Joan antes – embora seja um fato triste e diga muito sobre como o passado é rapidamente esquecido. Por esta falta de conhecimento prévio – e talvez também por uma enorme falta de empatia – podemos encontrar em sites, fóruns e aplicativos de séries comentários como “pisa menos, Bette”, “Joan mereceu o que fez” e muitos outros menosprezando Joan durante a série – incluindo o comentário que não podia faltar, sobre o “fato” de que ela abusou da filha mais velha.

A caracterização é, em geral, impecável. Quem teve a oportunidade de ver algum vídeo caseiro de Joan percebe como a reconstrução da mansão da atriz foi perfeita. E perfeição é o que define o trabalho das atrizes principais. Susan Sarandon se transformou em Bette Davis, imitando os gestos, a voz, a risada e até a maneira de segurar o cigarro. Jessica Lange não se parece nem soa como Joan Crawford, mas traz drama e humanidade à sua interpretação. Dominic Burgess é a cópia, o clone de Victor Buono. Por outro lado, a única decepção é Catherine Zeta-Jones, que interpreta Olivia de Havilland com uma afetação irritante, muito diferente do que Olivia é na vida real.

A série mostra, sem enfeites, como Hollywood trata suas estrelas quando elas envelhecem. Ao passarem dos 50 anos, Bette e Joan não são mais desejáveis ou bancáveis, e por isso não lhe são mais oferecidos papéis.  Isso não mudou muito: para as atrizes, ainda há a noção de “data de validade”. Susan e Jessica, as intérpretes de Bette e Joan, se aproximam dos 70 anos, e ainda lutam por bons papéis.

Referente a isto e a outro problema, Aldrich, interpretado por Alfred Molina, chega a dizer que “Crepúsculo dos Deuses” (1950), protagonizado pela estrela do cinema mudo Gloria Swanson, foi um sucesso apenas por ter um coadjuvante jovem, William Holden, quando fica claro para qualquer um que vê o filme em qualquer época que é Swanson a força motriz da história. Isso nos leva à miopia mercadológica que Hollywood sempre teve desde que se tornou uma indústria.

Se dependesse dos magnatas dos estúdios, como Jack Warner, interpretado por Stanley Tucci, nenhum ótimo filme jamais teria sido feito. Buscando o máximo lucro com o mínimo de gasto, os dirigentes dos estúdios recusam ideias, descartam velhos ícones e odeiam correr riscos. Eles querem a fórmula perfeita para um sucesso de bilheteria, mas se esquecem do ingrediente principal que comanda o espetáculo: o público e seu elemento surpresa.

Ao tratar de uma briga que começou por questões machistas, “Feud” faz uma bela escolha ao ter mulheres dirigindo três dos oito episódios – não é muito, mas é mais que a média. O episódio final, que fecha a série com chave de ouro, é inclusive escrito e dirigido por mulheres. O quarto episódio, que lida muito com a desigualdade de gêneros, é também co-escrito e dirigido por mulheres.

Ver “Feud: Bette and Joan” foi como me encontrar com velhas amigas e ter, pela primeira vez em muito tempo, uma conversa íntima com elas. Foi ótimo ver Bette e, em especial, Joan mais humanas e com certeza com mais fãs por aí depois da exibição da série – Joan, por exemplo, é a sexta celebridade mais popular no site IMDb. Ryan Murphy acertou de novo. A segunda temporada de “Feud” estreia em 2018 e contará a história das brigas conjugais da princesa Diana e do príncipe Charles. Se esta segunda temporada for metade do que foi a primeira, já será excelente.

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