“Inverno em Paris” trata de luto e amadurecimento

Elaborar o luto nunca é tarefa fácil. Às vezes uma mudança de ares pode ajudar. É exatamente isso o que acontece com o protagonista de “Inverno em Paris”, filme que tem bem menos Juliette Binoche que o prometido, mas mesmo assim é uma jornada que vale a pena acompanhar.

No meio de uma noite que ele nunca esqueceria, Lucas (Paul Kircher) foi acordado no dormitório de sua escola. Lá estão um vizinho de seus pais, sua prima e seu irmão mais velho, Quentin (Vincent Lacoste). Lucas só é informado que seu pai sofrera um acidente de carro. Chegando em casa, a verdade vem à tona: seu pai morrera no acidente. Era a transtornada mãe de Lucas, Isabelle (Juliette Binoche), que queria dar a notícia para o caçula, mas isso, como muitas outras coisas na vida da família, fugiu-lhe do controle.

Após o funeral, boa parte da família acredita que Lucas deve sair do regime de internato para fazer companhia para a mãe, que é professora. Antes de decidir se vai mesmo mudar de escola, ele escolhe passar alguns dias gelados com o irmão em Paris, por onde perambula e onde paga e cobra por favores sexuais.

Inverno em Paris” é um filme que se passa num passado recente, quase no presente. Pistas muito óbvias estão presentes na obra: primeiro, os personagens usam máscaras para sair de casa, resquício da pandemia de coronavírus e realidade de todos nós conscientes até pouquíssimo tempo. Depois, vêm as conversas políticas na mesa da grande família: personagens são chamados de fascistas e discute-se a entrada de imigrantes na França, com seus pontos positivos e sobretudo os negativos. São detalhes que não fazem a trama avançar, apenas dão um tom de imediatismo. Talvez sirvam, quando revisitarmos este filme no futuro, como marcas de um passado de dificuldades e discórdia.

O título original de “Inverno em Paris” é “Le Lycéen”, nome dado a um aluno de liceu, e o título foi mantido na tradução para o alemão, que ficou “Der Gymnasiast”. Em inglês o título virou “Winter Boy” e em alguns países de língua espanhola, “Dialogando com a Vida”. Como acontece nos casos de traduções, pode-se encontrar no correr do filme justificativas para todas as escolhas dos tradutores.

É inegável que para grande parcela do público o chamariz é a presença de Juliette Binoche em “Inverno em Paris”. Não é a primeira vez da atriz interpretando uma personagem enlutada: basta lembrar a obra-prima “A Liberdade é Azul” (1993). Mas o filme aqui pertence a Paul Kircher e por isso pode ser descrito como um “coming of age” com a diferença de que o amadurecimento – e é o amadurecimento de um jovem LGBTQ+ – é atravessado pelo luto.   

Paul Kircher foi indicado ao Prêmio César de Melhor Ator Revelação e ganhou no Festival de Veneza o Prêmio Marcello Mastroianni, entregue para o ator revelação do festival. Vincent Lacoste, com “Inverno em Paris”, fortalece sua parceria com o diretor Christophe Honoré, com quem já fez mais três filmes. Mas é para Binoche que vão todos os elogios do diretor:

Eu estava sonhando com isso (trabalhar com Juliette Binoche) há muito tempo. Procurei Juliette para um papel em um projeto anterior, mas ela recusou. Fico feliz que Juliette tenha dito “sim” para a personagem Isabelle. Ela trouxe um toque humano e uma profundidade que foram essenciais para o filme. Fiquei realmente impressionado com a força de seu desempenho e com sua paixão pelo cinema, que era palpável a cada passo do caminho”.

O filme pode se arrastar um pouco, com o final se anunciando e não chegando em pelo menos duas ocasiões, o que pode ser frustrante para uns e uma boa surpresa para outros. Honoré definiu sua obra como um filme sobre o amor e é isso que apreendemos da longa narrativa: em tempos difíceis, o amor salva.

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