Livro de textos poéticos “Caranguejo” utiliza todo manancial da linguagem para a vida poetizada

Há um interessante relação entre certos animais e alguns jogos que usam a tática como modo de operacionalizar. Entre ataque e recuo, entre futuro e passado, estando o presente no meio do campo. O caranguejo é um que, entre idas e voltas, não vou chamar de recuo, pois o bicho é sábio. E o nosso futebol que tem na relação entre zaga, meio de campo, e ataque, uma filosofia quase Sócrates, ou socrática de intermediar intermediárias no futebolês. Temos também, o xadrez, já um jogo estratégico, próximo à arte da guerra. Mas esta fulminemos deste texto.

Arte da escrita também tem seus movimentos. Não tem a carapaça do caranguejo, e suas pinças, mas diria que tem-se as próteses ou interfaces entre o que jogamos neste meio de campo que é a narração ou texto poético. O interessante de um texto é lacuná-lo à ponto de perdê-lo na sua direção. O xadrez tem movimentos pensados e estudados antes de executá-los. O futebol temos o técnico que prepara a estratégia com os jogadores. Mas no terreno ou campo da literatura não se tem raciocínio algum sobre plano, tema ou objetivos.

Nisso, o livro de Gabriela Sobral, Caranguejo, pela Editora Patuá, é um excelente exemplo de que sua estrutura não é arquitetada, e sim, experienciada como afetividade mnemônica. Não sei biograficamente da vida de Gabriela, mas através de sua escrita sei que passa por alguns filtros, paisagens da memória do que guardou como vivência. O que diferencia seu livro de um jogo, e o aproxima de um simples caranguejo, é que o bicho tem uma experiência emocional de vida, e também um corpo-metáfora. Medo-e-receio se misturam ao seu tipo de estrutura corporal. (sua carapaça) (ou sua máscara)

A poeta cria poemas ou textos poetizados estabelecendo uma rima e um ritmo muito musical com o ensaio, com pendores reflexivos,  e com textos memorialísticos. Mas o grande “jogo” da poeta está em (in)transitar qualquer lastro ou referência de onde o leitor possa se localizar na leitura. Talvez esta relação entre ir adiante ou voltar seja a própria natureza de sua linguagem. Não estabelecer vínculos territoriais quando escreve é o maior mérito da poeta, mas se engana quem acha que seu texto não é perpassado pela afetividade. Os poemas são sinapses afectas que rastreiam lugares, visões, e lembranças. Não há como não se deleitar com este bosque encantatório da ficção poética.

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