O pior pesadelo de qualquer pai zeloso é não saber o paradeiro de seu próprio filho. Isso vale, obviamente, também para as mães zelosas e os pais que não são tão zelosos assim. Por isso, narrativas sobre crianças desaparecidas sempre vêm acompanhadas de fortes emoções, que em alguns casos partem para a pieguice. Este não é o caso da minissérie da Netflix “Eric”, que traz Benedict Cumberbatch em ótima forma numa história que nos prende do começo ao fim.
Num dia de primavera de 1985, o menino Edgar Anderson (Ivan Morris Howe) sai de casa de manhã mas nunca chega à escola. É a primeira vez que o menino de nove anos faz sozinho o percurso de poucas quadras, e o faz depois de presenciar uma briga dos pais. Ao descobrirem que ele sequer chegou à Escola de Ensino Fundamental Saint Edith, seus pais se desesperam e chamam a polícia.
A mãe de Edgar, Cassie (Gaby Hoffmann) é uma professora que está envolvida com um ex-aluno. O pai de Edgar, Vincent (Benedict Cumberbatch), trabalha como bonequeiro num show infantil na televisão. Instável e alcoólatra, ele decide desenvolver como novo fantoche do show Eric, um monstro criado pela imaginação fértil do filho. Mas Vincent começa a alucinar com Eric, o gigante peludo azulado, que o segue por toda parte.
O primeiro suspeito a ser preso pelo detetive Michael Ledroit (McKinley Belcher III) é George Lovett (Clarke Peters), zelador do prédio onde a família Anderson mora e companhia constante de Edgar, que lhe dava palavras cruzadas e em troca era permitido que o menino ficasse desenhando no porão. George tem ficha criminal, mas sua advogada, a dra Renata Clark (LaTonya Borsay), tem a palavra perfeita para descrever o que está acontecendo com seu cliente: racismo. Sim, o detetive Ledroit é também um homem negro, mas ir direto no negro que foi o último a ver o menino Edgar pelas redondezas era a solução mais fácil.
Outro caso de racismo se faz presente com o caso do desaparecimento do adolescente Marlon Rochelle, ocorrido onze meses antes do de Edgar. A mãe de Marlon, Cecile (Adepero Oduye), conta a Cassie que perdeu a esperança de recuperar o filho com vida, e também diz que precisou de um esforço hercúleo para que a imprensa simplesmente noticiasse o caso do filho, enquanto Edgar está na primeira página dos jornais. Claro que pesa no caso de Edgar o fato de que seu avô, pai de Vincent, é um magnata do ramo imobiliário.
Além destes temas, também é tratada na minissérie a homofobia, maior na época que nos dias de hoje, e o preconceito contra os soropositivos, imensa naqueles incertos primeiros anos da doença. Michael é homossexual e vive com outro homem, o músico William, que está seriamente doente. Inserido no mundo homofóbico de uma delegacia de polícia, ele não pode mostrar quem realmente é, e leva muita raiva guardada dentro de si por causa disso. Essa raiva serve como combustível para ele lutar contra um sistema de corrupção dentro do seu local de trabalho.
Sem dúvidas o chamariz para esta minissérie, para muitos espectadores – eu inclusa – foi o protagonismo do ator britânico Benedict Cumberbatch. A premissa esdrúxula – uma minissérie sobre um homem adulto que conversa com um monstro gigante de pelúcia – é facilmente posta de lado pela presença de Cumberbatch, irrepreensível em suas escolhas profissionais desde que despontou para o mundo na série “Sherlock”. Segundo o IMDb, o ator Michael Fassbender foi cotado para o papel principal da minissérie, mas depois de assisti-la é preciso dizer que ninguém faria tão bem o papel quanto Cumberbatch.
“Eric” tem por trás das câmeras uma equipe com várias mulheres. Ali incluídas estão a diretora de todos os episódios Lucy Forbes e a criadora e roteirista Abi Morgan. Forbes trabalha desde 2005 com direção de videoclipes, televisão e mais recentemente streaming, enquanto Morgan escreveu o roteiro de filmes elogiados como “A Dama de Ferro” (2011) e “As Sufragistas” (2015).
Alguns podem se incomodar com o desenrolar da trama da minissérie, chamando-a de “lenta”, mas não se engane: com um equilíbrio perfeito entre drama familiar e suspense policial, “Eric” é uma pérola da televisão contemporânea.
NOTA 10 de 10
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