Oeste outra vez começa com uma clássica sequência de prólogo de filme de ação, bem comum em Westerns. No deserto árido do sertão, um homem observa e espera. Geração de expectativa. Nenhuma fala. O silêncio e o tempo. Até algo despontar no fim da paisagem. Soam os motores dos carros.
De repente, sem maiores explicações, um confronto. Os homens saem de seus veículos e começam a brigar. Briga de ruído seco, dessas em que se ouve o quebrar de um osso.
Em meio à cena, uma mulher, única personagem feminina do filme todo, sai do carro e segue em frente sem olhar pra trás.
O som sobe com uma canção brega brasileira.
A sequência toda faz pensar Quentin Tarantino. Um prólogo empolgante. Clima de vingança e disputa.
Logo depois, as cenas seguintes anunciam um certo humor (muito bem) transmitido pela combinação entre a decupagem e os diálogos curtos e com pausas estratégicas. Humor que surge do desconforto e do ridículo.
Aos poucos, entendemos que o filme irá se concentrar em um conjunto de personagens masculinas presas em um ciclo vicioso de alcoolismo e pactos violentos atrelados a uma suposta honra.
Quase todos possuem alguma dor de cotovelo. Dizem que gostam dessas mulheres que os deixaram, mas vamos percebendo que, na realidade, não sabem amar. Estão perdidos e sem sentido sem seus objetos de desejo, sem suas “mulherzinhas”, como eles mesmo mencionam ao longo da história. Incapazes de aceitar que elas estejam com outro alguém e desprovidos de ferramentas pra lidar com o vazio e a tristeza do fim da relação, usam como recurso a vingança e a violência.
Quando o filme assume esse outro tom, mais árido e seco, as risadas ficam mais espaçadas e acabam dando lugar à uma certa angústia, melancolia e vergonha alheia.
Vai ficando muito clara a solidão e falta de perspectiva na qual essas personagens vivem. Personagens mergulhadas em seus vazios interiores e seus espaços caóticos, incapazes de se comunicar de modo franco e profundo, agarrados a suas carcaças de macho e de orgulho ferido.
O diretor consegue atingir um equilíbrio raro entre realizar uma crítica contundente, mas ainda mantendo empatia por suas personagens. Não passa pano nem julga. Revela a dificuldade que boa parte dos homens têm em se abrir e lidar com suas emoções e sentimentos. Algo que me parece imprescindível se você quiser criar uma obra que gere algum tipo de reconhecimento naqueles que se comportam de maneira semelhante.
Essa justeza é alcançada também pela bela atuação de Ângelo Antônio, Rodger Rogério, Antônio Pitanga, Babu Santana, Adanilo e Daniel Porpino. Todos carregam ambiguidades entre a vulnerabilidade e a rudeza.
Há quem vá dizer que há um certo exagero, sobretudo na reiteração constante da presença da cachaça (pura) nas cenas e em todas as interações. Mas, às vezes, é preciso uma dose concentrada mesmo pra mensagem alcançar o público. Sobretudo quando se trata de uma imagem tão corriqueira e pouco questionada.
Ademais, ele não está tratando de uma personagem específica que bebe demais. Está apontando pra toda uma cultura de alcoolismo que é naturalizada e que permeia enormemente o gênero masculino, sobretudo em determinadas camadas sociais e geografias do Brasil.
Acho muito acertada a decisão de não trazer personagens femininas. As mulheres aqui não são protagonistas. Não possuem voz. Suas opiniões e desejos não importam a esses homens. Elas são meras coadjuvantes de suas vontades, que representam uma memória dolorida da rejeição e se tornam motivo de obsessão.
Vejo muita coerência também nessa secura quase maçante em vários de seus trechos. Se o diretor tivesse se rendido ao entretenimento anunciado no prólogo, teria sido mais um filme que glamouriza a violência e a masculinidade tóxica.
Erico Rassi se apropria do gênero do Western (Faroeste) exatamente pra subverter seus símbolos e gestos, historicamente associados a um suposto universo de força e dignidade masculinas. Ao invés de reforçar esses estereótipos, mantém o público nesse clima de aprisionamento em um ciclo sem fim, sem previsão de mudança ou saída. Os homens aqui não são grandiosos. São sujos e desarrumados, são tristes, solitários e patéticos. Vítimas de seus próprios endurecimentos e suas espirais de dor.
Aproveito ainda pra fazer um grande elogio à direção de fotografia de André Carvalheira, que soube fazer uso, tanto das belas imagens e paisagens panorâmicas, como dos universos internos escuros e claustrofóbicos, pra traduzir a aspereza da alma das personagens.
Em resumo, achei um filme raro na cinematografia brasileira e necessário pra questionarmos certos lugares comuns da nossa sociedade patriarcal.
Raquel Gandra em Cobertura da Mostra Tiradentes
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