Netflix traz o dilema do gênero de super-heróis em O Legado de Júpiter

É claro que a Netflix, como uma produtora, espera que todos seus lançamentos sejam um sucesso. E aposta em alguns títulos, cujas produções ganham pela confiança depositada, algo evidente tanto no dinheiro investido quanto no esforço promocional. É o caso de O Legado de Júpiter (Jupiter’s Legacy); uma adaptação para a TV da HQ escrita por Mark Millar e desenhada por Frank Quitely.

O Legado de Júpiter é o primeiro trabalho após a aquisição milionária do Millarworld pela Netflix em 2017. A série foi escrita e dirigida pelo showrunner Steven S. DeKnight, estreou recentemente com oito episódios em sua primeira temporada… e podemos dizer que começa com muita força, mas não aproveita os ingredientes que possui.

Abre a cortina…

O Legado de Júpiter é centrado nos primeiros super-heróis do mundo e seus filhos, que em sua maioria herdaram habilidades únicas. O arco da 1ª temporada se estende por quase um século, oscilando entre a América da Grande Depressão e o presente.

A primeira geração de super-heróis deve passar o bastão para seus filhos para continuar seu legado, mas as tensões aumentam quando os jovens, ansiosos por provar seu valor, deixam de viver de acordo com a lendária reputação pública de seus pais ou com seus exigentes padrões pessoais.

A equipe é liderada por Sheldon / O Utópico (Josh Duhamel), um análogo do Superman nascido no início do século 20 e, portanto, um artefato vivo de uma era muito mais conservadora e reacionária, a família Sampson também inclui a sua esposa e parceira, Grace / Lady Liberdade (Leslie Bibb), seus dois filhos, Chloe (Elena Kampouris), uma celebridade rebelde sem motivo para ser uma heroína; e Brandon (Andrew Horton), escolhido para ser o sucessor de seu pai e o irmão mais velho de Sheldon, Walter, o Onda-Cerebral(Ben Daniels).

Análise

A serie apresenta um cenário em que os primeiros super-heróis da Terra se preparam para uma nova geração tome seu lugar como defensores do planeta. É acertado que os figurinos, efeitos e estética são praticamente iguais a sua versão dos quadrinhos, criando uma boa visão desse universo super-heróico.

O primeiro episódio da série, Pela luz do amanhecer (By Dawn’s Early Light), foca em estabelecer o código que orienta esses personagens, apesar de mostrar mais suas dúvidas sobre a necessidade, a todo custo, de não matar seus inimigos. A evolução que ocorre no modus operandi dos vilões faz com que os heróis reconsideram seus métodos, entrando num dilema.

Além disso, a série usa os saltos no tempo, para narrar a história de origem daquela primeira geração de super-heróis e como se conecta com o que acontece no presente. As duas linhas temporais, passado e presente é sentida em seus gêneros diferentes. No presente temos um drama familiar de super-heróis codificada com suspense, enquanto no passado há uma aventura de época com toques de fantasia.

O conceito é bem atraente, mas que acontece é que a série quer lidar com mais do que é capaz. O enredo do presente não consegue balancear os inúmeros sub-enredos que estabelece no início; se a série focasse no desenvolvimento de cada um de seus personagens levaria mais tempo do que leva, por isso recorre ao uso exagerado da exposição para economizar duração.

A ideia de mostrar o passado é interessante, no entanto, é tão distante do outro que até às vezes é difícil acreditar que pertencem à mesma narrativa, parecendo duas séries diferentes. Claro que a intenção é que ambas terminem no mesmo ponto, o problema é que o momento do passado poderia ter sido feito em menos tempo e é óbvio que tem muitos elementos só estão ali para estendê-la.

Luzes e sombras do ‘Legado de Júpiter’

Desde The Boys e o mais recente Invincible, temos o debate sobre os super-heróis e suas complexidades morais, bem como as implicações noutros aspectos como a fama, a política e a religião.

A série da Netflix segue essa premissa, mas não consegue desenvolver tão bem, o drama assume completamente o controle da série, não que seja ruim, mas fica sem naturalidade, principalmente quando se concentra no lado mais reflexivo dela. Seu roteiro não arrisca nem contribui com o assunto. São falhas que fazem os oito episódios parecerem mais um prólogo para algo com mais peso em sua continuidade.

Outro aspecto da série é a abordagem das mortes dos super-heróis, bem abruptas e brutais; mas que servem para aprofundar o conflito entre o Utópico como pai e o seu filho, para quebrar ainda mais, um relacionamento já tenso e levá-los em direções opostas. Cada um, convencido da imprecisão do outro para enfrentar ou derrotar os supervilões. E o resultado inevitável (spoilers que não se aplicam a quem lê os quadrinhos), é baseado em um conflito identificável entre gerações entre expectativas, ideais e, muitas vezes, ideologia sobrepostos.

Em resumo, O Legado de Júpiter é uma boa produção da Netflix. Em meio a tantas críticas, acredito que o streaming lançou a mesma para lidar com a oferta de “séries baseadas em quadrinhos”.

Não veio para revolucionar o gênero, não quando temos séries que abordam o lado humano ou sombrio de heróis como os já citados The Boys ou Invencible. O foco está mais no impasse acentuado dos papéis de cada personagem, que podem desacelerar um pouco o espectador e sua “ descrença”; mas ao se aprofundar no universo de Mark Millar e seus super-homens dá à história componentes interessantes. Talvez seja justamente que essa história pareça refletir, em Sheldon Sampson, o Utópico, aquele cansaço que o próprio gênero experimenta.

Nota: Ótimo – 3.5 de 5 estrelas

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