É relativamente raro, mas alguns filmes “metem o pé na porta” e já começam com um clímax. É justamente isso que acontece em “O Bom Professor”. O professor de francês Julien Keller (François Civil) é acusado de assédio por uma aluna adolescente, a tímida Leslie (Toscane Duquesne). Mas ele não está nem um pouco interessado nela, porque é homossexual – mas nunca quis revelar sua sexualidade na escola, e não é agora que quer fazê-lo. Isso imediatamente o coloca em maus lençóis.
Keller quer inovar na metodologia e tem ações pouco ortodoxas, como levar alunos com boas médias para comer e conversar. Sua tentativa de motivar os alunos é malvista pelos colegas – eles o ressentem por ser “próximo dos alunos e distante dos colegas” – , e a maioria deles não oferece apoio a Keller. Quem também não ajuda é a polícia, de mãos atadas com a investigação da denúncia feita anteriormente por Leslie e o irmão mais velho dela – e também figura paterna, o “homem da casa” – Steve (Arminod Alves), que inclusive ameaça o professor.
De repente, a vida de Julien desmorona. Seu relacionamento com Walid (Shaïn Boumedine) entra em crise. Ele perde o controle e o respeito dos alunos, dentro de sua classe – como com a insolente Océane (Mallory Wanecque) – e também dos alunos de outras classes. A injustiça o persegue.

É quase impossível assistir a “O Bom Professor” e não vir à mente dois filmes relativamente recentes sobre magistério: “A Caça” (2012) e “A Sala dos Professores” (2023). No primeiro, dinamarquês, um professor de jardim de infância é acusado de assédio sexual, enquanto no segundo, alemão, uma professora novata se põe a investigar um roubo. Em comum, os três filmes têm professores tragados por espirais de descontrole.
O roteiro é assinado pelo diretor junto com Audrey Diwan, vencedora do prêmio de Melhor Filme no Festival de Veneza com “O Acontecimento” (2021). Teddy Lussi-Modeste, diretor e roteirista, se baseou num caso real de sua vida de professor ocorrido em 2019, quando a queixa de uma aluna por ele ter tocado o cinto enquanto falava com ela se tornou uma bola de neve e afetou toda a comunidade escolar. A música instrumental de suspense, daquelas bem clichê, se faz presente em vários momentos, mas sem exagero.
Na jornada ao fundo do poço do professor Keller, em determinado momento alguém compartilha entre os alunos, no meio da aula, um vídeo do mestre dando tudo de si na pista de dança. Isso ecoa nosso recente debate sobre proibição do uso de celulares nas escolas. Embora seja quase impossível chegar a um veredicto sobre a decisão, precisamos ver os dois lados: como dispositivos móveis ajudam no ensino e aprendizagem e ao mesmo tempo como são instrumentos de distração e até de desinformação.

Muitas críticas colocam o filme como um “desserviço” em tempos de #MeToo. Vítimas têm de ser ouvidas SIM, e o filme não diz o contrário. O que ele fala na verdade é sobre a celeridade dos julgamentos e cancelamentos nos tempos modernos, que devem demorar mais se quisermos ser justos.
O professor Keller só queria ser um mestre inesquecível, daqueles que mudam a vida de seus alunos, mas sua jornada acabou se transformando num thriller pedagógico. Se servir de lição, a que fica ao final do filme é esta: nunca romantize sua profissão, mesmo que ela seja uma das mais nobres que existe.