AcervoCríticasSériesTV

“O Gambito da Rainha”: inofensivo e edificante

Compartilhe
Compartilhe

Há uma esperteza salutar na feitura do novo fenômeno da Netflix que diz muito sobre seu sucesso. Entre seu título nada convidativo e a engenhosidade do xadrez (como jogo em si e como pano de fundo da história), O Gambito da Rainha, através de sua matriz literária homônima – do autor Walter Trevis, que criou a protagonista baseado em suas experiências no esporte e fascínio pelo universo – tem seu maior valor popular na clássica narrativa da superação. É certeiro.

Sobrevivente de uma acidente de carro que a deixou órfã, Elizabeth Harmon (Anya Taylor-Joy, excepcional) se descobre uma prodígio no xadrez e isso atravessa sua vida diante de seus traumas pessoais e desafios sociais nos EUA dos anos 1950/60.

Espertamente conduzida pelo diretor Scott Frank, a série se âncora potencialmente no carisma absurdo de Taylor-Joy, que depura com proeza de veterana, seu difícil papel de dar humanidade a uma personagem tão cartesianamente traumatizada.

Sua interpretação torna até os (inúmeros) lugares comuns que o roteiro insiste em fazer brotar, mais palatáveis aos que não se sensibilizam tanto assim com simplificações “edificantes” e soluções rasteiras (a heroína tem uma problema e prontamente aparece um personagem para resolvê-lo) na história. Basta perceber a maneira plastificada com que a série retrata as piores crises de alcoolismo e depressão de Harmon. Quase como um comercial da grife italiana Prada.

O olhar hipnotizante da atriz dá a legitimidade que o roteiro abre mão. Frank tem um rigor técnico no todo, especialmente por conseguir agregar emoção a um jogo de xadrez. É uma aritmética difícil entre fotografia e montagem (os cortes das reações e dos olhares entre interlocutores são precisos) que funciona brilhantemente. Assim como o minucioso trabalho de direção de arte.

Os coadjuvantes são funcionais, com grande destaque para a atriz e cineasta Marielle Heller, um show a parte como a relegada mãe adotiva da protagonista.

O Gambito da Rainha poderia ser um ensaio sobre a obsessão versus predestinação, ou até mesmo uma visão menos romantizada de uma enxadrista em perspectiva. É na verdade uma parábola quase ingênua. Sem riscos ou ousadias formais. Vai ver é que precisamos em temos tão adversos.

Nota: Ótimo – 3.5 de 5 estrelas

Compartilhe

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos
AstrosCríticasMúsica

“Angel of the Morning”: Uma Canção Atemporal

Há músicas que transcendem o tempo, atravessando décadas e gerações com uma...

CríticasFilmesLançamentos

“Máquina do Tempo” muda o rumo da História com narrativa ousada

Se você gosta de História tanto quanto eu, já deve ter se...

CríticasFilmes

Ad Vitam: filme traz intrigas e conspirações emaranhadas

Depois de escapar de uma tentativa de assassinato, Franck Lazareff precisa encontrar...

CríticasFilmes

“Um Completo Desconhecido” adapta com fidelidade a trajetória de Bob Dylan

Se o filão das cinebiografias musicais é inevitável, nenhum grande nome da...

CríticasFilmes

“Capitão América: Admirável Mundo Novo” cumpre tabela dentro do UCM

Se “Capitão América: Admirável Mundo Novo” não é filme da Marvel que...

CríticasFilmes

“Babygirl” e a claustrofóbica angústia feminina

“Babygirl”, aparentemente um veículo para colocar Nicole Kidman em evidência no circuito...

CríticasFilmes

“O Brutalista” e a dura conclusão acerca do sonho americano

“O Brutalista” é mais um oscarizável além de “Anora” que desconstrói o...

CríticasSériesTV

Terra Indomável (2025), um novo “Era uma vez no Oeste”

Cinco dias em setembro de 1857 formam um dos capítulos mais sombrios...