O folclore é um acervo cultural, muito mais do que somente um conjunto de lendas, mitos e medos. Podemos compreender a maneira de agir, pensar e sentir de um povo ou grupo com as qualidades ou atributos que lhe são inerentes. A unidade do que nos forma, nas tradições, nas lembranças mais antigas e profundas, desde supertições como “Deixar o chinelo virado para baixo pode causar a morte da mãe” ou “Não é bom passar debaixo da escada”.
Lauro Kociuba traz em Raízes de Vento e Sangue, uma coletânea de contos que aborda muito do íntimo dos brasileiros. Finalista do Prêmio Le Blanc em 2018, a coletânea trabalha com 7 mitos em uma roupagem mais madura, trazendo questionamentos contemporâneos e que trabalham com a cultura e origem das lendas. Além das lendas, cada conto trabalha com uma ousadia narrativa, uma liberdade gramatical que traz para a forma do texto um elemento intrínseco ao mito explorado, ampliando a imersão do leitor.
Como o próprio autor diz, ao apresentar seu trabalho: “Quando pensei em quantos contos por livro, pensei que sacis demoram 7 anos para nascer e vivem 77 anos, além disso, eu mesmo nasci no dia 7 do 7. Acho que são motivos suficientes para justificar a escolha de 7 contos.” E assim iremos adentrar no mundo de seres como Caipora, Iara, Pisadeira, Saci, Mula sem Cabeça, Boto e Boi-Bumbá.
Análise
Um trabalho bem realizado sobre o folclore nacional, um tema que precisa de mais obras como essa. Ainda mais abordando o lado fantástico, cada conto faz uma necessária releitura de mitos do nosso folclore, abordando sua riqueza com uma linguagem dinâmica e cuidadosa.
Sua ambientação tece o mítico com o real, como no caso do senhor que ao voltar a um terreno que pertencia a sua família ou quando uma entidade é uma frequentadora assídua do lado marginal de uma cidade. Esse amalgama desenvolve um conceito que imprime em nossa mente, de que eles, os seres míticos, nos ronda, observando o momento certo de se apresentar.
Com uma escrita leve, descritiva, o autor trabalha com o que sentimos, com as sensações que imprimem o som das águas de um rio, ou as folhagens da mata ou mesmo o cheiro que exalam. Uma imersão bastante interessante, que também traz o conflito entre o urbano e o rural, o antigo e o moderno, como na série da Netflix, Cidade Invisível, onde as criaturas mitológicas se adaptam a um novo mundo, a uma contemporaneidade que quer apagá-las.
O autor busca desenvolver uma nova aura nesse antagonismo, onde os humanos irão descobrir novas sentimentos com esses personagens. E o conto do Sa’si é o que traz mais o temor que não conheciam, o medo em si, a descrição da perseguição pela mata é aterrorizante. E temos um personagem, na melhor tradição do trickster, que envereda seu alvo de uma forma, que é incapaz de fugir.
Outro conto interessante é o da Iara, onde temos uma peculiar sedutora, como guerreira de sua tribo, mas ainda sendo um espírito inocente e frágil. Ao longo dos contos, Kociuba nos instiga a conhecer mais sobre nosso folclore e mostra que conhecemos pouco sobre o assunto.
Algumas podem soar como releituras, mas sem spoilers, para não entregar boas surpresas aos leitores. Para quem já conhecem os mitos, merece nossa atenção pela interpretação do autor, mas com certeza é uma ótima porta de entrada para quem nunca teve contato com o nosso folclore.
O autor
Lauro Kociuba é graduando em Letras, pesquisa literatura fantástica e narrativa, experimentando o universo transmídia em seus livros, Já publicou A Liga dos Artesãos (2014), uma fantasia urbana autopublicada via catarse. Depois lançou digitalmente Estações de Caça, uma fantasia medieval, e Promessas Antigas, uma noveleta de fantasia urbana. Em 2019 foi finalista do prêmio Le Blanc com a coletânea Raízes de Vento e Sangue e em 2020 uma noveleta de Ficção Científica (Não Tão) Perto do Fim foi lançada pela editora Plutão.