A primeira vez em que eu tive contato com o gênero literário crônica foi quando peguei na estante de casa o livro “100 Crônicas”, de Mario Prata. Eu tinha por volta de nove anos de idade – eu era uma criança estranha. Gostei de algumas crônicas, não compreendi totalmente o sentido de outras – afinal, eu não sabia ainda quem era Glenn Miller, e não entendia nada de futebol, algo que continuo sem entender – mas certamente, como com tudo na vida, aprendi. E só agora voltei a ler crônicas fora da obrigatoriedade do dever da escola.
O livro escolhido para a retomada, verdade seja dita, não contém somente crônicas: O Homem Ridículo, de Marcelo Rubens Paiva, contém contos e crônicas. Entre os textos, há inéditos e há aqueles que foram reescritos e repaginados para que os textos não ficassem anacrônicos. E o anacronismo aqui não foi combatido apenas com a inclusão de redes sociais e menções ao streaming: o principal anacronismo que o autor quis apagar foram passagens machistas.
Homens podem escrever bem e realisticamente sobre mulheres? Podem. Mas nem todo homem. Marcelo escreve bem, sim, e acredito que não seja pelo fato de ser o caçula com três irmãs mais velhas. É porque está aberto a mudanças, ouve e observa a nova onda do feminismo sem julgamento prévio, tanto é que ele diz que não existe “politicamente correto”, mas sim “politicamente necessário”.
Então para ele – posição que não fica explícita no livro, mas sim em suas entrevistas de divulgação deste – os homens e as mulheres ridículos são os misóginos, os antifeministas, os homofóbicos. Marcelo se esforça para não se incluir neste grupo de ridículos, e não vê nenhum problema em reeditar seus textos para adaptá-los à nova visão de mundo. Afinal, e não é ele quem diz, sou eu, estar vivo é evoluir constantemente.
Com o discurso moderno e abrangente na representatividade, senti falta de contos e crônicas com casais LGBT – afinal, ser LGBT não impede ninguém de ser ridículo, e os relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero têm os mesmos desafios dos relacionamentos heterossexuais, incluindo perda de interesse, traição e sedução.
É na segunda metade que O Homem Ridículo fica realmente bom. Os melhores textos do livro estão quase no final, e destaco o bem-humorado e moderno “Aí é too much”, o sensível “O tio e a gravidade” e os profundamente pessoais “O Amor Platônico” e “A Menina que Chorava”. “O Começo do Fim” também merece ser mencionado por trazer frases que infelizmente passamos a ouvir com frequência, regadas de preconceito – é a rara crítica social presente no livro.
É muito bom termos escritores como Marcelo Rubens Paiva, dispostos a reverem seus conceitos e preconceitos. Digo inclusive que precisamos de mais pessoas dispostas a essa mudança que não é fácil, mas é sempre para melhor. Ao mesmo tempo, não é bom vendê-lo como “um homem que entende da alma feminina”. Ora, para entender da alma feminina, quem melhor que uma mulher? É por isso que precisamos constantemente procurar ler mais obras de mulheres, e incentivá-las a buscarem a publicação de seus escritos. É bom ter aliados como Marcelo Rubens Paiva nesta revolução de costumes, mas nunca devemos nos esquecer de que o protagonismo, aqui, é das mulheres.