O domingo (25) foi o último dia do festival Rock Brasil 40 Anos, que reuniu os maiores nomes do BRock no Rio de Janeiro. Acontecendo em paralelo ao carnaval fora de época, foram cinco dias de guitarras altas e também de pop na Marina da Glória, cenário cercado pela Baía de Guanabara, o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar.
O derradeiro dia foi marcado por dois tributos que levantaram o público, um a Renato Russo e outro a Cazuza, considerados os dois maiores poetas dessa geração. E também houve as duas maiores bandas brasileiras se sucedendo no palco: o Barão Vermelho e o Paralamas do Sucesso, o que contribuiu para que a noite fosse a mais concorrida, junto com a do dia anterior. Um festival que já deixa saudades em que esteve por lá.
George Israel promove festa informal na abertura
No último dia de festival, a abertura dos trabalhos se deu com o ex-saxofonista do Kid Abelha, que alternou sucessos de sua ex-banda tocadas em um trio de metais (completado por Bianca no trompete e Moisés no trombone. ‘Te Amo Pra Sempre’ abriu formando medley com ‘O Amor’, ‘Miss You’ dos Rolling Stones se fundindo com ‘Lágrimas de Chuva’.
Cazuza, um dos homenageados da noite, foi lembrado em Brasil, música de que George Israel foi coautor. Outra parceria com um colega de geração lembrada foi ‘A Fórmula do Amor’, com Léo Jaime. Depois de uma sequência de covers de colegas de geração – ‘Sonífera Ilha’, dos Titãs, quando George foi para o meio da plateia, ‘Rádio Blá’ (Lobão) ‘Puro Êxtase’ (Barão Vermelho) – o show se encerrou com ‘Pintura Íntima’, do Kid.
Renato Russo em belo tributo de ator que o interpretou no teatro
Os shows da Legião Urbana eram verdadeiros cultos. Não à toa a banda de Renato Russo era ironicamente chamada de “religião urbana”. E o show do ator Bruce Gomlevsky atesta isso. Enfileirar clássicos da Legião bem executados (Bruce interpreta Renato no teatro há muito tempo) é receita certeira de sucesso, ainda mais em um evento que celebra o BRock.
Gomlevsky se tornou célebre há 16 quando montou a peça interpretando Renato Russo com incrível semelhança. No show o intuito não interpretar Renato, repetindo trejeitos e maneirismos e caracterização, e sim simplesmente executar as músicas. Até mesmo os vocais ficam em um meio termo entre a voz do ator e a do líder da Legião, falecido em 1996.
A apresentação que se iniciou com ‘Há Tempos’, seguida de ‘Perfeição’, trouxe os hinos indeléveis ‘Eduardo e Mônica’, ‘Daniel Na Cova Dos Leões’, ‘Geração Coca-Cola’, ‘Será’ e ‘Indios’. O ator e sua banda também apresentaram músicas que não estão no musical: ‘Quando O Sol Bater Na Janela Do Seu Quarto’ e ‘Meninos e Meninas’. ‘Que País É Esse’ alavancou gritos de “Fora Bolsonaro!” e Gomlevsky aproveitou para fazer uma inserção de ‘Para Não Dizer Que Não Falei de Flores’. “Como disse Nando Reis (no show de quarta-feira) não digo o nome do demônio”, disse o ator.
A apresentação seguiu com ‘Giz’, ‘Pais e Filhos’, ‘Faroeste Caboclo’, que antes de iniciar Gomlevsky perguntou “vocês sabem cantar inteira?”. A resposta da plateia veio na forma de um coro que acompanhou toda a música, como nos shows da Legião. ‘Tempo Perdido’ encerrou o show, que trouxe a sempre bem-vinda “experiência Legião”, sobretudo para quem nunca teve a oportunidade de presenciar Renato Russo ao vivo.
Barão Vermelho faz vigoroso show de headliner
O Barão Vermelho, do alto de seus 40 anos de carreira, com sucessos em diversas fases, promoveu seu usual passeio por suas eras. Iniciou a apresentação enfileirando um trinca de clássicos da fase Cazuza: ‘Ponto Fraco’, ‘Bete Balanço’ e ‘Por que que a gente é assim?’. Daí vieram, já da fase com Frejat à frente, Pense e Dance e o cover de Rita Lee ‘Jardins da Babilônia’, um dos melhores exemplos de boa apropriação no rock nacional.
Após ‘Eu Queria Ter Uma Bomba’, Rodrigo Suricato, frontman do Barão desde 2017, pediu uma salva de palmas para Guto Goffi e Maurício Barros, os fundadores da banda. Foi a deixa para ‘Meus Bons Amigos’. Rodrigo anunciou ‘Por Você’ como a música que ele já tocou para ganhar dinheiro honesto nos piores lugares do Rio. ‘O Poeta Está Vivo’, além da clara homenagem a Cazuza, foi dedicada à toda a classe artística, profundamente afetada pela pandemia.
O cover de Bezerra da Silva ‘Malandragem Dá Um Tempo’ ficou a cargo de Maurício nos vocais. Suricato retomou a dianteira com ‘Exagerado’, que foi seguida de ‘Puro Êxtase’. Na reta final da apresentação se sucederam ‘Maior Abandonado’, ‘O Tempo Não Para’ e ‘Pro Dia Nascer Feliz’ que tradicionalmente encerra os shows do Barão.
Há cinco anos com essa formação – Rodrigo Suricato nos vocais, violão e guitarra; Fernando Magalhães nas guitarras principais; Guto Goffi na bateria e Maurício Barros nos teclados, além de Márcio Alencar no baixo, ocupando o lugar que foi de Rodrigo Santos entre 1992 e 2018 – o Barão mostra que o entrosamento não se perdeu. A veia de banda de bar (como a maior inspiração dos rapazes, Rolling Stones) continua acentuada, e Suricato com um timbre que oscila entre Cazuza e Frejat, se consolidou como uma ótima escolha da banda para seguir adiante após a saída do líder.
Paralamas contorna problema técnico e entrega o show que os fãs esperavam
O outro grande nome do BRock da noite, o Paralamas do Sucesso entrou, como sempre, com o jogo ganho e a torcida a seu favor. E isso sem dúvida foi importante para contornar o problema técnico que surgiu logo na primeira música, ‘Vital e Sua Moto’. O som do palco estava perfeito, mas o PA (as caixas de som que que o público ouve) apresentou defeito. A banda só percebeu que não estava sendo ouvida após terminar a música. O problema parecia solucionado e Herbert Vianna disse ao público “sem nenhum embaraço, vamos começar de novo. Vocês se importam de ‘Vital e Sua Moto’ de novo?”. E recebeu uma calorosa resposta da plateia.
Ocorre que o microfone do vocalista e guitarrista passou a apresentar problema já quase no final da música. Daí foi necessária mais uma parada, dessa vez bastante longa. Herbert tocou o Tema da Vitória de Ayrton Senna na guitarra. Tentaram voltar mais uma vez, só que seguindo adiante no setlist, com ‘Lourinha Bombril’… e novo problema no som. “Em 40 anos isso não aconteceu. Peço um milhão de desculpas”, disse Herbert. Ainda como pedido de desculpas, cantou (o som do palco era um pouco audível, principalmente para quem estava na frente) ‘Meu Erro’, com coro da plateia em apoio à banda.
Tudo solucionado, som tinindo (parecia até mais potente ainda) retomaram ‘Lourinha Bombril’, ‘Track Track’ e ‘O Calibre’. “Um pequeno teste com a memória de vocês”, brincou Herbert para iniciar ‘Selvagem?’. O baile seguiu com um set de temática romântica: ‘Mensagem de Amor’, ‘Cuide Bem do Seu Amor’ e ‘Aonde Quer Que Eu Vá’. Depois de ‘Lanterna dos Afogados’ (na qual o solo de guitarra de Herbert é sempre um show à parte) entrou uma faixa pouco conhecida do disco de 1998, “Hey Na Na”, ‘O Amor Não Sabe Esperar’.
Uma pausa estratégica na sequência de sucessos, que logo foi retomada privilegiando a fase anos 80. Daí vieram ‘Será Que Vai Chover’, ‘Assaltaram a Gramática’, medley de dois covers de Tim Maia (‘Gostava Tanto de Você’ e ‘Você’), ‘O Beco’, ‘A Novidade’ e ‘Melô do Marinheiro’. Alagados contou com a participação especial de George Israel, que fez o primeiro show da noite. ex-Kid Abelha também participou de ‘Uma Brasileira’.
‘Óculos’, ‘Caleidoscópio’ e ‘Meu Erro’ fecharam o show que compensou de forma impecável e energética os problemas que atrapalharam o início da apresentação. Herbert, Bi Ribeiro e João Barone formam o grande power trio da música brasileira (ainda com o hercúleo suporte do lendário João Fera nos teclados) e juntos no palco são a certeza de eficiência. Nenhuma música do último disco, ‘Sinais do Sim’ (2017) entrou no setist. Por ser um festival preferiram atacar com o seu arsenal infalível, e não tinha mesmo como errar.
O poeta está vivo
Assim como Renato Russo, Cazuza rende (e renderá) infinitas homenagens. No segundo tributo a um ícone da geração 80 da noite, os irmãos Rogério Flausino (aniversariante do dia, com direito a parabéns) e Sideral realizaram um belo show homenageando a obra do filho de Lucinha Araújo, tanto no Barão Vermelho quanto solo. Ao contrário do que poderia se pensar, dado o avançar da hora em um domingo (por conta do atraso causado pelo problema técnico no show dos Paralamas do Sucesso já passava da meia-noite), a pista não ficou minguada de público.
Houve participações especiais de George Israel (a segunda dele na noite) em Brasil – ele e Cazuza foram parceiros de composição na faixa – e Baby do Brasil se juntou a eles. E no final os integrantes do Barão, dos quais dois, Maurício e Guto, estavam na formação original com Cazuza, subiram ao palco para tocar ‘Maior Abandonado’ e ‘Exagerado’. Um belo desfecho para o festival que celebrou uma geração.