Rock Brasil 40 Anos – Segundo dia de festival é marcado pela ala pesada do BRock

O segundo dia do festival Rock Brasil 40 Anos, que reúne os maiores nomes do BRock no Rio de Janeiro, apostou na vertente mais pesada da geração 80. Se em meio ao carnaval fora de época, o evento funciona como um Rock In Rio antecipado (e apenas com medalhões nacionais), a noite da última quinta-feira na Marina da Glória pode ser vista como o equivalente à Noite do Metal do RIR. Plebe Rude, Titãs, Ira! e Camisa de Vênus agitaram o público, formado majoritariamente por “jovens coroas” na casa dos 40 e dos 50 e visivelmente maior que o do dia anterior.

Ainda rachando o concreto

A Plebe Rude ficou encarregada de abrir os trabalhos, em um horário mais cedo (às 17h30) do que o do dia anterior. É impossível dissociar a banda de seu célebre álbum O Concreto Já Rachou, de 1986. Até porque a contestação da época vale para os dias de hoje. O vocalista e guitarrista Phillippe Seabra lembrou que quando gravaram o DVD (indicado ao Grammy Latino, ressaltou, bem-humorado, o feito) a faixa ‘A Censura’ parecia démodé. “E agora tá tudo voltando” disse lançando farpas ao governo atual.

Em ‘Ambição’ (com direito a vinheta do Chacrinha apresentando a banda no programa) Seabra jogou o refrão para o público, mas o andamento “leve” do coro fez o vocalista brincar “vocês estão confundindo com outra banda de Brasília. Aqui é a Plebe!”. Teve cover de ‘Baba O’Riley’ do The Who, antes do hino ‘Proteção’.

‘Até Quando Esperar’, o maior hit da Plebe, fechou a apresentação como de costume. A Plebe Rude mostra que ainda é bastante eficiente ao vivo, e que a entrada de Clemente (dos Inocentes) foi uma adição que azeitou as engrenagens da banda e conferiu fôlego extra.

Quase desfalcados, os Titãs fazem show correto

Os Titãs chegaram para o Rock Brasil 40 Anos desfalcados. Ou quase. O show começou sem Branco Mello, com a música ‘Lugar Nenhum’, ‘Desordem’ e ‘Sonífera Ilha’ com Tony Bellotto nos vocais. ‘Televisão’ ficou a cargo de Beto Lee.

Branco está afastado da banda por motivos de saúde. O integrante original da banda esteve internado após retirar um tumor da hipofaringe, recidiva do anterior, que foi tratado em 2018. O tumor, em estágio inicial, foi detectado num exame de rotina e será removido. Ele é substituído pelo baixista Caio Góes Neves, mas conseguiu liberação para tocar algumas músicas com seus companheiros. Foi o set formado por ‘Epitáfio’ (em que as palmas acabaram se convertendo em Fora Bolsonaro), ‘Pra Dizer Adeus’ (música do primeiro disco que só encontrou sucesso 13 anos depois no Acústico MTV) e ‘Go Back’.

Duas faixas do último álbum da banda, a ópera rock 12 Flores Amarelas foram tocadas: ‘Canção da Vingança’ (dedicada a Marielle Franco) e ‘Me Estuprem’. Os clássicos ‘Marvin‘ e ‘Flores’ antecederam a volta de Branco em ‘Homem Primata’, ‘Polícia’ (com um bem apropriado snipet de ‘Fardado’, do disco “Nhengatu”), ‘Bichos Escrotos’ e ‘AA UU’, que encerrou o show.

Se por um lado a banda visivelmente sente a falta de Branco Mello, é possível notar que Beto Lee está perfeitamente integrado ao grupo, assim como o baterista Mário Fabre, que entrou no Titãs em 2011 substituindo Charles Gavin. O que poderia ter sido um show mediano acabou se convertendo em uma apresentação correta, muito reforçada pela garra dos novatos.

Ira! sofre com performance vocal pífia de Nasi

O Ira! entrou no palco com a faixa ‘Longe de Tudo’, clássico do álbum “Mudança de Comportamento”. Foi seguida de outro clássico, ‘Dias de Luta’, um sucesso mais recente, ‘Flerte Fatal’ e a versão em português de ‘Train In Vain’ do Clash, ‘Pra Ficar Comigo’. Só então veio a primeira novidade da noite, ‘O Amor Também Faz Errar’.

O set seguiu com ‘Vida Passageira’, ‘Você Não Sabe Quem Eu Sou’, ‘Tarde Vazia’ e ‘Flores Em Você’, antse da segunda música nova da noite, ‘Efeito Dominó’. Daí veio uma sequência de três faixas do aclamado disco “Psicoacústica”: ‘Rubro Zorro’, ‘Advogado do Diabo’ e ‘Pegue Essa Arma’.

Uma coisa ficou nítida na apresentação: Nasi está enfrentando dificuldades com sua voz. Não é de hoje que ele tem que se esforçar mais para alcançar notas de outrora se adaptando à rouquidão adquirida graças ao fumo, à bebida e a outras substâncias. Daí ele enveredou por um timbre que lembra bastante o do apresentador Gil Gomes, o lendário repórter do noticiário mundo cão Aqui e Agora. Contudo, no momento atual, nem mesmo a “desculpa” de soar punk cola. Faixas que se sucederam na reta final evidenciam isso.

Gritos Na Multidão’ foi bastante prejudicada. ‘Eu Quero Sempre Mais’, do álbum “7”, de 1995, ganhou uma versão definitiva no Acústico MTV com participação da cantora Pitty. E é inevitável sentir a falta da baiana, ainda mais agora, dado o estado pífio da voz de Nasi. ‘Girassol’, ‘Envelheço na Cidade’ e ‘Núcleo Base’ são amparadas por Edgard Scandurra, que, além de ser o melhor guitarrista de sua geração, faz backing vocals que amenizam o estrago.

Marcelo Nova aposta na ironia para manter o Camisa de Vênus rebelde em 2022

O Camisa de Vênus é o tipo da banda que precisa da controvérsia para se manter relevante. A essa altura, Marcelo Nova do alto dos seus já não choca mais ninguém com seus impropérios, mas é divertido vê-lo vociferando ironia. Agora seu alvo é o politicamente correto. Ele sabe que suas letras podem soar anacrônicas.

Anunciou que não tocava mais ‘Silvia’, mas resolveu retornar com ela “com o aumento do número de influencers e da turma do nojinho que mechama de homofóbico…” disse ele. “[Politicamente correto] aqui não”, debochou antes de convocar as mulheres da plateia a cantar o refrão a plenos pulmões, para confirmar sua tese de que a correção não está com nada.

O camisa, que agora conta com  filho de Marcelo, Drake Nova, na formação (que da original, junto com o vocalista, resta apenas o baixista Robério Santos), desfilou seus clássicos como ‘Bota Pra Fuder’, ‘Atrasado’, ‘Deus Me Dê Grana’, a versão para lá de imprópria de ‘My Way’‘Simca Chambord’, e ‘Eu Não Matei Joana D’Arc’, que encerrou a apresentação. No repertório também entraram duas músicas do disco mais recente, de 2021: ‘Cadê Getúlio’ e a faixa-título ‘Agulha no Palheiro’.

Marcelo Nova pode ser encarado tanto como uma versão brasileira de John Lydon quanto como uma versão roqueira da Dercy Gonçalves. Para o mal e para o bem, que fique claro. Ele sabe que a língua afiada é a principal commodity. “Eu gosto de ver o sorriso de vocês porque nem sempre é bom ser maestro do baile da saudade. Mas o sorriso de vocês faz valer a pena”, declarou à plateia no final do show.

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