A Sétima Arte gosta de explorar situações cotidianas, destacando seu perigo através de narrativas claustrofóbicas ou ambientadas em um único local – muitas vezes por questões orçamentárias. Essas histórias mantêm a tensão alta quando o suspense é bem trabalhado, seja pela convivência difícil com outros ou por uma ameaça externa. Mais interessantes que os cenários tradicionais de confinamento, como prisões ou cenários pós-apocalípticos, são os filmes de “claustrofobia a céu aberto”, que refletem o cotidiano a e seus ciclos viciosos. Neles, a liberdade parece ao alcance, mas os personagens repetem padrões cansativos, justificados por discursos sobre família, trabalho, necessidades financeiras ou apego a pessoas próximas – muitas vezes hipócritas ou cínicos.
The Damned do cineasta islandês Thordur Palsson (O Assassino de Valhalla) é, de fato, uma dessas propostas de isolamento ao ar livre que combina os três elementos caóticos típicos do gênero: primeiro, uma geografia inóspita que convida a uma reclusão de caráter defensivo; segundo, dilemas morais que inevitavelmente levam a conflitos e catástrofes iminentes; e terceiro, a inevitável ameaça externa que redefine a autocomplacência dos seres humanos sob a sombra de um problema real que eles devem enfrentar se quiserem sair vivos.
A ideia original foi do próprio Palsson, mas, na prática, ele terceirizou o roteiro, que ficou a cargo de Jamie Hannigan (A Mulher na Parede). Eva (uma convincente Odessa Young) é a viúva de vinte e poucos anos de um tal Magnus, dono de uma estação de pesca no Ártico do século XIX, que morreu há pouco tempo quando seu barco encalhou em uma área rochosa perigosa do mar chamada Os Dentes. Por isso, ela se torna a administradora do local e controla, da costa, um grupo de pescadores liderado de fato por Ragnar (Rory McCann), um timoneiro experiente, além de lidar com a atração da viúva por outro pescador, o jovem Daniel (Joe Cole).
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A história gira em torno de um grupo de pescadores que, enfrentando escassez de alimentos e o rigor do inverno, se vê diante de dilemas morais e uma ameaça misteriosa após o naufrágio de um barco próximo. Combinando elementos de suspense, folclore escandinavo e conflitos humanos, o filme explora os limites da sobrevivência e os efeitos do medo e da desesperança em uma narrativa que mantém o espectador intrigado até o fim.
Palsson, que, assim como Hannigan, tem um breve histórico na televisão no campo dos thrillers – Os Assassinatos de Valhalla (The Valhalla Murders, 2019-2020) no caso do diretor, e A Mulher na Parede (The Woman in the Wall, 2023-2024) no caso do roteirista –, nesse filme não oferece nada original, mas demonstra, sem dúvida, uma habilidade para combinar eixos temáticos interconectados, como sobrevivência, crueldade, egoísmo, ganância, culpa, nostalgia, intemperança e, claro, a loucura que pode surgir tanto do isolamento gelado, das noites intermináveis e da fome quanto da influência sobrenatural da lenda do draugr. Para a dupla criativa, essa mistura de ingredientes atende a todos os gostos, alinhando-se a espectros, zumbis, telepatas, demônios e assassinos em série.
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No contexto de Os Condenados (The Damned, 2024), o draugr é interpretado como uma figura que personifica a vingança e o medo, surgindo como uma ameaça sobrenatural que desafia os personagens a confrontar não apenas o perigo externo, mas também seus próprios demônios internos, como culpa, egoísmo e desespero. Essa criatura serve como um elemento simbólico que amplia a tensão e o horror psicológico da narrativa.
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Entre canções de marinheiros bêbados e libertinos, o desejo intenso de Eva de finalmente substituir Magnus por Daniel e práticas antigas para evitar maldições – como cravar pregos nos pés dos mortos, amarrá-los e girar seus caixões três vezes –, o filme demonstra uma narrativa bem-vinda, flerta com o terror artístico sem exageros e mantém um enfoque discursivo prosaico, consciente de que os vivos sempre foram, são e serão muito mais assustadores que os mortos.
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