Se “Capitão América: Admirável Mundo Novo” não é filme da Marvel que você queria, fique sabendo que seu propósito é ser o filme da Marvel de que você precisa. E essa não é a primeira produção do Universo Cinematográfico da Marvel que existe apenas para cumprir tabela, como um episódio filler de uma série. Se formos olhar para trás, a Saga do Infinito (que já podemos chamar de Era de Ouro do UCM) possui seus filmes com a mesma função. Talvez o pós-Vingadores: Ultimato fez uma lavagem cerebral nos espectadores, que passaram a esperar sempre um megaevento a cada anúncio da Marvel Studios.
A trama se passa algum tempo após os eventos de “Falcão e o Soldado Invernal”, e Sam Wilson assumiu completamente seu papel como o novo Capitão América. Agora, ele é convocado à Casa Branca pelo novo presidente, Thaddeus Ross, que deseja trabalhar com ele na reconstrução do projeto Vingadores. No entanto, o caos se instala quando Isaiah Bradley, amigo de Sam, aparentemente perde o controle e tenta assassinar o presidente, sendo incriminado pela tentativa. Agora, Sam e seu parceiro Joaquin Torres precisam correr contra o tempo para descobrir o verdadeiro culpado e impedir um plano maligno que, sem que ele saiba, envolve o próprio Presidente Ross.

Pela sinopse é possível perceber que se trata de uma tentativa de resgatar a atmosfera de “Capitão América 2: O Soldado Invernal”, com intrigas institucionais e espionagem. No entanto a engenhosidade que sobrava no roteiro do filme dos irmãos Russo passa longe neste quarto filme da franquia (ou seria o primeiro de um reboot?), e as cenas de ação aqui também não se equiparam. O diretor Julius Onah (“O Paradoxo Cloverfield”), que também assina o roteiro escrito a dez mãos, faz o trivial. A escolha de um cineasta negro para comandar o projeto sugeria que a temática racial estaria latente, e não é o que acontece. A questão está lá, mas de forma sutil, em algumas sugestões. Faltou coragem da produção articular o tema como na série do Disney+.
Por falar em Falcão e o Soldado Invernal, fica a impressão de que partiram do princípio que todos assistiram à série, portanto, não era necessário introduzir o personagem. Nenhuma explicação é dada a quem está chegando agora e pode estranhar que o Capitão América mudou de identidade. Quando se diz que Admirável Mundo Novo mais parece uma continuação de “O Incrível Hulk”, não é absurdo. Temos a volta do General Ross (agora presidente dos EUA), vivido por Harrison Ford, no lugar do falecido William Hurt. E um vilão que na verdade é o principal na galeria de inimigos do Hulk, o Líder (vivido por Tim Blake Nelson).

Além de se conectar ao primeiro filme do Hulk dentro do UCM, “Admirável Mundo Novo” planta sementes para o que está ainda por vir, como a saga dos X-Men que certamente será o ponto nevrálgico da próxima era da Marvel Studios pós-Saga do Multiverso, “Thunderbolts*” e “Guerras Secretas”. É aí que o estúdio mostra que continua fiel ao seu plano de contar uma história, haja o que houver, mesmo se a reação do público não for das melhores. O mais importante é que tudo faça sentido, e nesse ponto continuam acertando.
Anthony Mackie, agora carregando o manto do Capitão, não deixa dúvidas que Sam Wilson foi a escolha certa de Steve Rogers para passar o bastão. E o fato de não contar com o soro do super-soldado o deixa ainda mais forte como personagem. Ford cumpre satisfatoriamente a tarefa de substituir um ator em determinado papel, coisa que já havia acontecido na Marvel com Don Cheadle tomando o lugar de Terrence Howard como o Máquina de Combate. Giancarlo Esposito parece ter encontrado uma zona de conforto em papéis de vilão na Disney (também foi o Moff Gideon em “The Mandalorian”). O “novo Falcão” Joaquin Torres (Danny Ramirez) é o ponto fraco, parece um pouco deslocado. Já o embate com o Hulk Vermelho, o ponto alto do filme, cumpre com o que prometeu.

“Capitão América: Admirável Mundo Novo” também não deixa de fora suas metáforas com a política internacional. A questão com o Japão em relação ao adamantium é uma clara alegoria das relações tensas entre EUA e China. Este não configura como um tropeço da Marvel (alguém lembrou de “As Marvels”?), apenas segue com retidão a tarefa de manter o universo coeso, mesmo que o preço a ser pago seja não se tornar muito memorável.
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