Quando o nome de Takehiko Inoue (1967) é lembrado no início dos anos 1990, o público logo reconhece Slam Dunk como sua obra principal. Com o famoso shônen sobre o mundo do basquete, Inoue que praticou o esporte nos anos colegiais, seguiu com Buzzer Beater, mangá centrado de novo no basquete, com um tema futurista, entre outras estórias curtas, mas o sucesso chegou em 1998 com uma proposta nova e atípica até o momento em sua carreira: Vagabond.
Tomando como base a novela de Eiji Yoshikawa (1892-1962), Inoue se lança a contar a história de Musashi Miyamoto (1584-16, um guerreiro histórico do Jpão feudal, autor do O Livro dos Cinco Anéis. Vagabond, se torna a obra prima do mangaká, e teve sua serialização iniciada na revista Shukan Morning da editora Kodansha. Até o momento, 38 volumes compilados foram publicados no Japão, conquistando aclamação tanto do público quanto da crítica. A maestria de Inoue rendeu à obra diversos prêmios de alto calibre, incluindo o prêmio Osamu Tezuka (2002) e a indicação ao Eisner (2004) na categoria de Melhor Escritor/Artista (perdendo para Craig Thompson e sua obra Retalhos)
Vagabond convida você a embarcar em uma jornada épica pelo Caminho da Espada, explorando os meandros da alma humana e a busca incessante por autoaperfeiçoamento. Preparado para empunhar sua lâmina e desvendar os mistérios que te aguardam?
Ano 1600. Honiden Matahachi e Shinmen Takezo, camaradas de armas e amigos desde a infância, são dois dos poucos sobreviventes da decisiva e sangrenta batalha de Sekigahara. Isso apesar de terem lutado do lado perdedor, que defendia os direitos de Toyotomi Hideyori contra Tokugawa Ieyasu, um importante daimyō que emergiria como o vitorioso final e unificaria o país estabelecendo o xogunato Tokugawa. Shinmen Takezo, também conhecido como Musashi Miyamoto, tem a violência correndo em suas veias, mas após retornar à sua aldeia e conhecer o monge Takuan, decide iniciar uma nova vida em busca constante de autoconhecimento e superação. A partir desse momento, Shinmen Takezo vagará pelo país enfrentando os maiores especialistas em artes da espada e artes marciais que cruzarem seu caminho, em uma jornada destinada a transformá-lo em uma verdadeira lenda.
VAGABOND: O CAMINHO DA ESPADA
A história de Musashi Miyamoto é amplamente conhecida no Japão e foi contada e adaptada várias vezes em diversos formatos. A mencionada novela de Yoshikawa, escrita em 1935 e intitulada “Musashi”, é considerada um clássico moderno da literatura japonesa e uma referência incontornável ao abordar a figura do famoso e mítico samurai. Desta forma, sua influência pode ser facilmente identificada em séries, filmes, livros, videogames, animes e mangás de todos os tipos. Focando nos últimos dois, podemos citar o Musashi de Shôtarô Ishinomori ou suas aparições em Yaiba de Gōshō Aoyama ou em Samurai Champloo de Shinichirō Watanabe; como também a homenagem que Akira Toriyama em Dr. Slump.
A vida de Miyamoto revela uma epopeia rica em nuances e propensa a uma mitificação que vai além de seu valor como figura histórica. Nesse sentido, Vagabond de Takehiko Inoue não traz nenhuma novidade no enfoque da obra, mas representa um desafio para seu autor ao se dedicar a uma história na qual é difícil acrescentar algo novo; no entanto, a aposta se mostrou bem-sucedida para este mangaká de estilo detalhista e obsessivamente perfeccionista.
Musashi Miyamoto foi um órfão, filho de um samurai de Kyushu, viveu durante um dos períodos mais violentos da história do Japão e era conhecido por seu caráter solitário e violento, mas também por sua prodigiosa força de vontade e física. Entre os dezessete e trinta anos, já havia participado em mais de sessenta combates, entre duelos pessoais e batalhas, e nunca foi derrotado; nesse período de sua vida, Miyamoto já era considerado um dos maiores samurais de sua época, mas decidiu iniciar seu próprio caminho espiritual, praticando o chamado Caminho da Espada, que o levou a vagar por todo o país em busca de novos desafios. Ao final de sua vida, servindo ao clã Hosokawa, ele escreveu O Livro dos Cinco Anéis (Gorin No Sho), um tratado sobre a arte marcial tradicional japonesa do kenjutsu, com uma intenção semelhante ao mais popular “A Arte da Guerra” de Sun Tzu.
Claro, isso não é muito relevante na proposta de Takehiko Inoue, um mangaka seinen que tenta explorar a psicologia de Miyamoto de maneira realista e humana, com um certo tom intimista e reflexivo que permeia toda a trama e define seu ritmo de forma decisiva. Vagabond é uma história clássica de samurais, repleta de doses épicas e cenas de ação, às quais o autor consegue imprimir um forte senso de movimento e uma espetacularidade sóbria e estética.
No entanto, o Miyamoto de Vagabond não se apressa em sua busca; a narrativa avança lentamente, refinando cada momento e estilizando seu ritmo de forma pausada, explorando seu excelente desenho em busca de novas abordagens e perspectivas, tornando-se um trabalho excepcional de alta qualidade. Esta é uma das maiores virtudes do mangá, embora, devido ao seu tom novelístico pausado, não seja recomendado para todos os públicos, ou pelo menos para aqueles que preferem uma leitura mais ágil em sua abordagem e desenvolvimento, especialmente considerando que a série já ultrapassa os trinta volumes e ainda está em andamento.
No entanto, com paciência, é fácil descobrir em Vagabond e no trabalho de Takehiko Inoue uma história verdadeiramente envolvente, contada com força e precisão, demonstrando uma austeridade e contenção muito apropriadas ao gênero de samurais ao qual a obra pertence.
A tradição do mangá de samurais, especialmente ambientada durante o período Edo e o xogunato Tokugawa, continua bastante viva no mercado editorial do mangá japonês até os dias de hoje, como evidenciado por obras como Samurai X de Nobuhiro Watsuki, Shigurui de Norio Nanjo e Takayuki Yamaguchi, Blade – A Lâmina do Imortal de Hiroaki Samura, e a perenidade de um verdadeiro clássico como O Lobo Solitário de Kazuo Koike. Nesse sentido, Vagabond se posiciona entre a brutalidade de Shigurui e a capacidade intimista da obra de Koike, sem esquecer o sentido épico de Samurai” e a espetacularidade de Blade; poderíamos pensar nela como uma obra completa, e em certa medida o é, mas o tempo dirá se isso é suficiente para que seja considerada uma referência para o gênero ou apenas um interessante experimento do mestre Takehiko Inoue.
No Brasil, Vagabond de Takehiko Inoue está licenciado e editado pela Panini, que até agora realizou um trabalho excelente com sua publicação, ante as exigências bastante rigorosas do próprio autor, e inclui textos e apêndices no final dos volumes, de grande utilidade para aprofundar na história se desejado. Com um pouco de sorte e a vontade de Takehiko Inoue, após algumas interrupções no trabalho do autor, pareceo mangpode finalmente seguir para sua reta final, e esperamos que isso nos deixe com um bom gosto final, embora o caminho, sem dúvida, tenha valido cada um de seus passos.