Breno Ribeiro fala sobre o processo de escrita do seu segundo romance, “cicatriz”

O escritor mineiro Breno Ribeiro apresenta em seu segundo livro, “cicatriz”, publicado pela Caravana Editorial,uma trama impactante sobre a dor da perda e os dilemas de justiça e vingança. O livro retrata duas famílias – uma de classe média alta e outra de periferia – cujas vidas são tragicamente entrelaçadas após o assassinato de um jovem em um latrocínio.

Estruturada em três partes,“cicatriz” acompanha duas histórias paralelas: de um lado, a família de Júlia e Humberto, com seus filhos Ana Lúcia e Pedro. De classe alta, a família passa por desentendimentos de ordem sociopolítica: o pai, de extrema-direita, não aceita a filha lésbica, enquanto o filho, recém admitido na universidade, passa a ser o foco de atenção do casal. Do outro lado, Pietro e Fabiana são um casal de periferia que esperam um filho enquanto precisam lidar com a doença da mãe de Pietro. Diante da gravidade do caso, Pietro se vê praticando pequenos crimes para conseguir pagar os remédios e a internação da mãe. Perante os dilemas éticos que vivem as personagens, “cicatriz” traça um panorama bastante complexo do sistema judiciário brasileiro, em que justiça nem sempre significa reparação dos danos causados e a prisão não é capaz sequer de aplacar os desejos de vingança.

Influenciado por autores clássicos como Machado de Assis, Mary Shelley e Gustave Flaubert, Breno nasceu em Juiz de Fora (MG), cresceu na cidade de Iguaba Grande, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Hoje, com 35 anos, mora no Rio, e leciona Língua Inglesa pela UFRJ. Em 2021, em plena pandemia, lançou seu primeiro romance em formato digital, o thriller policial “O Príncipe de Hugo Porto”.

Em “cicatriz”, o escritor combina elementos de thriller familiar e drama social para traçar um panorama complexo da sociedade brasileira. Leia a entrevista completa com Breno Ribeiro e saiba mais sobre o processo de escrita do livro. 

Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam? Por que escolher esses temas? 

Para mim, são três: justiça, vingança e culpa, mas quero que o leitor se sinta à vontade para tirar as conclusões que quiser.Talvez como bom libriano, o senso de justiça sempre esteve muito presente em minha vida. Certa vez, lendo uma notícia sobre um crime grave cometido contra uma família, me deparei com uma advogada que havia trabalhado no caso se utilizando do conceito de justiça restaurativa. Pensei muito sobre esse conceito na época e em como ele requer certa maturidade das partes envolvidas. Pensei também que, a depender do caso, isso não fosse possível, esse perdão, essa quase elevação espiritual do absolver. Então me veio a vontade de escrever sobre isso, sobre essa impossibilidade do perdão e, por outro lado, a fervura da culpa.

O que motivou a escrita do livro e como foi o processo de escrita? 

Todo meu processo de escrita é muito parecido, tanto em “cicatriz” como no meu primeiro romance. Normalmente demoro muito tempo, semanas estruturando a história na minha cabeça, cada cena, cada diálogo. Tenho uma memória muito boa para essas coisas e raramente anoto. Quando já está tudo quase 100% em minha mente, eu me sento para escrever a primeira linha. A partir daí, tudo flui muito naturalmente. A escrita em si, depois desse tempo de elucubração, costuma ser rápida. “cicatriz”, por exemplo, eu devo ter escrito em uma semana, duas no máximo.

Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro? 

Sinceramente tenho receio em responder essa pergunta. Óbvio que, para mim, há uma mensagem que eu quis transmitir ao escrever o livro, um pensamento, uma visão de mundo, uma angústia. Contudo, acredito que a palavra do autor seja exageradamente sacralizada pelo público e crítica de maneira geral. Dessa forma, na minha opinião, revelar a mensagem final que o livro tem para mim seria colocar nele uma estampa que inibiria interpretações diferentes por parte do público e eu acredito que a partir do momento em que um autor decide lançar uma obra, ela deixa de ser sua e passa a ser do público. Prefiro, portanto, deixar o público tirar as mensagens que preferir do livro, mesmo que eu particularmente possa não concordar com elas.

O que esse livro representa para você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?

Acho que esse livro representa um amadurecimento da minha escrita em relação ao meu primeiro romance. Relendo os dois é notável para mim o amadurecimento, talvez pela mudança de gênero. Acho, sim, que a escrita desse livro me transformou de certa forma, me permitiu arriscar mais literariamente a tocar em pontos que não necessariamente fazem parte da minha experiência de vida.

Como a bagagem dos livros anteriores que você escreveu ajudou na construção da obra? 

Acho que meu primeiro romance, por ser um thriller policial, me ajudou a construir a obra de trás para frente, ou seja, a partir do fim. Fiz o mesmo em ‘cicatriz’, mesmo sendo outro gênero. Pensar essa obra desse jeito me ajudou a deixar ambas mais coesas e a não me perder do que inicialmente era minha ideia para a história. Sou do time que acha o fim de uma história seu ponto principal, que pode tornar uma história até então medíocre em genial ou destruir uma obra até então impecável.

Por que escolher o gênero adotado? Desde quando escreve dentro do gênero? 

Não gosto de me limitar a um gênero. Na minha cabeça há diversas histórias de gêneros diversos. Me limitar a um gênero seria abrir mão de várias delas que gosto.

Como você escolheu a editora para a obra? 

No início do ano, participei da chamada de várias editoras pequenas. A “Caravana” foi a primeira que me respondeu.

Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra? 

No geral, eu gosto muito de Machado de Assis, Mary Shelley, Flaubert. Para “cicatriz”, em específico, eu acho que bebo bastante da água da literatura nacional contemporânea, como Andrea Del Fuego, Natalia Timerman e Jeferson Tenório, que trazem ambientes mais urbanos para o centro da narrativa.

Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra? 

Eu considero meu estilo bem coeso e direto. Como leitor, não gosto quando ambientes e características físicas são exageradamente descritas e tendo a fugir disso quando escrevo também. Para “cicatriz”, decidi não indicar nem mesmo a cor de pele dos personagens, apenas características que eu achava serem importantes para a história. Além disso, a obra é estruturada em três partes que eu chamo comigo mesmo de “antes, durante e depois”. Há ainda um salto temporal de dez anos entre as partes 2 e 3 que pode pegar alguns leitores de surpresa.

Como começou a escrever? 

Meio clichê responder isso, mas escrevo desde que me entendo por gente. Sempre me considerei uma pessoa muito criativa para histórias e gostava de imaginar elas na minha cabeça, mas me faltava uma certa estruturação e preparação das histórias que veio com a maturidade da vida adulta.

Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita? 

Não. Não acho que o “artista precisa esperar a iluminação da musa”, mas também acho que criar metas diárias torna o trabalho muito laboral e produtivista. Prefiro um meio do caminho.

Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí? 

Atualmente estou na fase de concepção do meu terceiro romance, “Limbo”, que conta a história de um casal que se separa, mas, por questões do capitalismo tardio, são obrigados a ainda morarem juntos por um tempo até cada um ir para o seu canto. O romance narrará os dois meses entre o término e a mudança de casas, quando cada um segue seu rumo.

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