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A empatia como resistência em Wolfwalkers, uma belíssima animação da Apple TV+

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A profusão audiovisual cada vez maior dos dias atuais tem gerado muitos clichês, mas também muita incerteza e um panorama cada vez mais concentrado. Como na época de ouro do cinema hollywoodiano, os streamings estão criando os seus próprios catálogos; um processo de produção cada vez mais padronizado, com narrativas, personagens e conceitos que seguem um recorte do mesmo padrão.

Se olharmos para as animações, o problema é maior quando encontramos produções que podem não ser dirigidas a um público especifico; onde as crianças não vão entender e os adultos podem ficam entediados com a narrativa. Características que podem passar uma mensagem ou não, como em Soul ou em Xico – O Cachorro Mágico.

Felizmente, apostando em um método mais tradicional; e em uma série de mensagens com certa profundidade que não são um insulto à inteligência, temos Wolfwalkers (2020) e sua incrível animação 2D.

Análise

De Tomm Moore e Ross Stewart, Wolfwalkers à sua maneira, fecha uma trilogia que Moore iniciou com Uma Viagem ao Mundo das Fábulas (2009) e A Canção do Oceano (2014).

Outro fato interessante é que além do próprio diretor; as animações compartilham das indicações ao Oscar de melhor longa de animação. Algo marcante para o caráter independente que as produções foram desenvolvidas; quando ainda eram estudantes, Tomm Moore, Nora Twomey e Paul Young fundaram o Cartoon Saloon na Irlanda em 1999.

Desde então, o estúdio produziu filmes, curtas e séries, enfrentado crises financeiras, o que mostra como é o frágil tecido industrial do cinema: aclamado pela crítica, as duas indicações anteriores ao Oscar arrecadaram metade do orçamento investido.

Pai e filha ingleses emigram para a Irlanda

A história de Wolfwalkers se passa no século 17, quando Bill (interpretado por Sean Bean) e Robyn (Honor Kneafsey) Goodfellowe, pai e filha emigram para a Irlanda. Na cidade onde vão morar, reina a miséria, assim como a superstição diante do que acreditam ser sobrenatural, em especial quando se relacionado aos wolfwalkers ou “caminhantes entre os lobos”.

Assim, quando Robyn tenta ajudar seu pai na caça ao último bando de lobos, uma série de eventos a leva a conhecer Mehb Óg MacTíre (Eva Whittaker), que lhe apresentará um olhar diferente sobre a natureza e o colonialismo da cidade onde vive agora, firmemente liderada pelo Lord Protector (Simon McBurney).

A natureza é o pano de fundo que dá vida à refinada e primorosa animação do filme. Ela absorve e entranha os personagens, oferecendo um dos dois valores que os Wolfwalkers prezam: cuidar do nosso meio ambiente.

O colonialismo, em sua extensão feudal e dogmática, é a principal barreira que separa a sociedade humana de valorizar seu meio ambiente, compreender o desconhecido ou pelo menos compreendê-lo melhor para não odiá-lo. Assim, sentimos como o folclore, a mitologia ou as crenças irlandesas possuem um grande peso e dão à animação uma autenticidade e originalidade ímpar.

Como podemos ver nas imagens acima, enquanto a narrativa apresenta o conteúdo da obra, a montagem nos convida a desfrutar de outros tipos de composições.

É nesse ponto que a natureza assume todo o seu esplendor, onde podemos os planos diferentes que a produção nos apresenta. Como um livro ilustrado, uma obra medieval; perspectivas que dividem a tela como uma história em quadrinhos.

Essa variedade de planos foi totalmente intencional, que acompanha uma matiz emocional a cada composição para realçar a beleza, o efeito geral para quem está assistindo.

As imagens passam uma mensagem fácil, para criar uma empatia com a história e os sentimentos de cada personagem. Seus ritos de passagem (a floresta, a muralha do castelo ou o interior da gruta) delimitam muito bem cada cenário e traz o outro valor fundamental dos Wolfwalkers.

No caso, o amor; mas não o romântico ou o sexual, não no sentido literal; mas no sentido mais amplo, essencial: aquele que um pai professa ao filho, apesar de suas diferenças; aquele que vence o medo do desconhecido e colhe a amizade que Mebh e Robyn trocam, sem cair no ódio da liderança, personificado no Lorde que antagoniza tudo e todos.

Conclusão

A direção de Moore e Stewart trabalha com inteligência, sem cair no superficial ou no complexo, apresentando a quem assistir uma forma de nós reconciliarmos com tudo o que nos rodeia, a melhor mensagem que a animação nos transmite, de várias maneiras, até o seu final. Temos atualmente sentido o que lideranças personificam em suas superstições, em seu ódio, seguido por muitos em silêncio, como em vários personagens que encontramos na animação. Diante da atual situação de medo que vivencíamos, o bálsamo seria como Wolfwalkers nos passa: retornar às nossas origens, à imaginação e ter coragem para enfrentar as regras impostas.

Uma fábula belíssima, com uma música que toca profundo em nós, uma experiência narrativa e visual que contextualiza muito bem diversos temas. Uma obra de arte, merecia muito o Oscar, mesmo com todo o peso da mensagem de Soul da Pixar, seu principal concorrente.

Nota: Fantástico – 4.5 de 5 estrelas

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Por
Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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