“A Pequena Sereia” traz beleza, um certo frescor, mas nenhuma novidade significativa

“A Pequena Sereia” foi a animação que em 1989 inaugurou a chamada Renascença do Walt Disney Studios. Depois de um longo e tenebroso período de vacas magras nos anos 1970 e 1980, o estúdio reuniu os talentos dos compositores Alan Menken e Howard Ashman com os diretores Ron Clements e John Musker – dupla que havia comandado a empreitada anterior, “As Peripécias de um Ratinho Detetive” – e foi inaugurada uma nova era na casa do Mickey. Seriam animações ambiciosas técnica e artisticamente e com forte influência das peças da Broadway. A fórmula foi um sucesso e foi seguida ao longo de dez anos, rendendo êxitos comerciais e de crítica como “A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “O Rei Leão” e “Mulan”.

“A Pequena Sereia” 2023 é a versão live-action do último clássico incontestável da Renascença que faltava ganhar remake (agora sobraram apenas os menos prestigiados “Pocahontas”, “Corcunda de Notre Dame” e “Hércules”). Era motivo para muito frisson e sobretudo cuidado da parte do estúdio na criação. No entanto, o que se vê é o mesmo modus operandi das adaptações com atores vistas anteriormente. A história é ampliada (no caso aqui, de 82 para 135 minutos), personagens são adicionados, sequências inéditas são criadas, mas não há nenhuma mudança significativa.

“A Pequena Sereia”

A história é basicamente a mesma: a caçula das filhas do Rei Tritão, Ariel é uma bela e espirituosa jovem sereia com sede de aventura. Desejando descobrir mais sobre o mundo além do mar, Ariel visita a superfície e se apaixona pelo Príncipe Eric. Seguindo seu coração, ela faz um acordo com a malvada bruxa do mar, Úrsula, para experimentar a vida como uma humana.

Há diferenças sutis, como a motivação de Ariel estar muito menos ligada a conquistar o príncipe encantado, entre a heroína e a vilã, o acréscimo da personagem da mãe de Eric, que serve como a contraparte terrestre do rei Tritão, criando uma atmosfera de Romeu e Julieta. Mas são apenas detalhes que não tiram a trama original do curso. E há as novas canções compostas por Lin-Manuel Miranda, infelizmente pouco inspiradas, que se empalidecem em meio aos inesquecíveis temas eternizados por Menkel e Ashman.

A escolha de Rob Marshall (“Chicago”, “O Retorno de Mary Poppins”) foi bastante acertada, já que possui um currículo de musicais para o cinema. E justamente a recriação dos números musicais é um dos méritos de “A Pequena Sereia”, com apoio em belos efeitos (que deviam estar inacabados nos trailers, pois o que se se vê na telona é muito superior). Por mais que elementos antropomórficos, que davam toda uma vibração na versão animada, tenham que ter sido adaptados, é possível dizer que o resultado é satisfatório em boa parte, embora o uso do Auto-Tune, sempre presente nesses remakes, possa causar um leve incômodo. A bola fora é o tema romântico, que parece ser mesmo o calcanhar de Aquiles dos live-actions, sem exceção. Assim como ‘Beauty and the Beast’ em A Bela e a Fera, ‘A Whole New World’, em Aladdin e ‘Can You Feel the Love Tonight’ em O Rei Leão, ‘Kiss the Girl ficou muito aquém do encanto do original.

“A Pequena Sereia”

O elenco traz o papel da protagonista a cantora e também atriz Halle Bailey, da dupla Chloe X Halle (descoberta por Beyoncé), e, contrariando os que estavam descrentes ou descontentes com a troca da etnia da personagem (como se sereia tivesse etnia), cumpriu muito bem a função de dar vida à icônica personagem com um carisma contagiante e um talento vocal incontestável. Melissa McCarthy foi escalada como Úrsula muito mais pela semelhança física. A vilã é menos marcante do que no original, mas ainda assim funciona. Já o rei Tritão interpretado por Javier Bardem é uma surpresa. Ele consegue repetir a imponência do personagem na animação de 1989.

“A Pequena Sereia”

“A Pequena Sereia” poderia seguir um outro caminho, talvez mais próximo do conto de Hans Christian Adersen. Mas, com a exceção de “Mogli: O Menino Lobo”, a ordem é copiar fielmente as animações tão amadas por pelo menos duas gerações. Com isso, o estúdio prefere jogar na segurança, afinal de contas, é garantia de gordas bilheterias e o público parece apreciar. Por outro lado, há um certo frescor e o respeito com a obra de 1989 foi garantido, em um remake satisfatório em seu todo, plasticamente impecável e com vários bons momentos. Mas torcemos para que os próximos live-actions, que devem se voltar para as eras mais remotas da Disney, sem amarras da nostalgia, possam ousar mais.

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