“Ainda Estou Aqui” é mais um filme a tratar do período da ditadura militar que se instalou no Brasil entre 1964 e 1985, focando no período mais sombrio do regime comandado pelas Forças armadas brasileiras, com apoio civil (sobretudo dos EUA). Mas ao contrário de “Pra Frente, Brasil” ou “O Que é Isso Companheiro”, a trama foca na angústia sofrida por quem esperava por notícias de alguém que saiu de casa acompanhado por agentes do governo, supostamente para “colaborar” com informações, e misteriosamente não retornou.
Adaptada da obra autobiográfica de Marcelo Rubens Paiva, que conta a emocionante história de sua mãe, Eunice Paiva, durante a ditadura militar no Brasil. O ano é 1970. Um importante político é capturado pelo regime militar, deixando sua esposa sem resposta. Eunice (Fernanda Torres) tem sua rotina de dona de casa da classe média alta do Rio de Janeiro completamente transformada, em uma busca incessante pela verdade sobre o paradeiro de seu marido e enfrentando as consequências brutais da repressão. Com isso ela constrói um importante capítulo no que se refere à luta por direitos humanos.
Com essa história real em mãos, Walter Salles mais uma vez conta uma história de perda, coragem e resiliência, como foi seu “Central do Brasil” há 26 anos, tendo como pano de fundo um dos períodos mais lamentáveis da história do Brasil. Para isso ele conta com um trabalho notável de reconstituição de época, valendo-se não só da direção de arte como de retoques por CGI que impressionam. Cariocas mais velhos reconhecerão que a orla de Ipanema é exatamente a de cinco décadas atrás.
Salles, que se consolidou no hall dos principais diretores brasileiros, e o nosso representante mais famoso do mundo, mostra que continua afiado em relação à direção de atores. Fernanda Torres é indubitavelmente o grande destaque como protagonista e a forma como transmite a agonia vivida por Eunice. A transformação da mãe de família em ativista vai se dando sutil e organicamente, assim como o tom do filme, que inicia bastante ensolarado, o que confere o mesmo peso real que Paiva quis imprimir nas páginas de seu livro. O sofrimento de Eunice é percebido em olhares, pequenos gestos.
A atuação de Selton Mello, em uma ótima caracterização, também merece destaque, construindo o personagem com simpatia, carisma, envolto na imagem da lembrança de infância que ficou para o autor. O trabalho do diretor e do ator foi estabelecer essa justaposição da memória afetiva (quando Rubens sumiu Marcelo era criança, como vemos na história) com o personagem histórico.
O roteiro de Murilo Hauser (“A Vida Invisível”) e Heitor Lorega (que assinou com Murilo “Marinheiro das Montanhas”) acerta na contextualização, tanto do cotidiano familiar quanto do cenário de época, para inserir adequadamente o espectador fortalecendo um viés documental (não nos esqueçamos, é uma história real). Talvez o problema seja o salto temporal que pode parecer um tanto desconectado com o restante da trama – poderia ser resumido em um texto com fotos no final que poderia ter sido perfeito. Inclusive nessa parte, a passagem do tempo parece não ter ocorrido para uma das filhas de Eunice parece não ter acontecido. Vale lembrar que a breve participação de Fernanda Montenegro é tocante.
Por fim, “Ainda Estou Aqui”, além de se revestir como um tributo à força de Eunice Paiva, que, contra todas as adversidades, se torna uma figura central na luta pelos direitos humanos no Brasil, oferece uma reflexão para um episódio de nossa História que surpreendentemente há quem enxergue como positivo (para esses o filme pode ser um serviço de esclarecimento). Ah, sim, fala-se em Oscar. Se não vencer, azar do Oscar.
Comente!