Em 2009 James Cameron revolucionava a forma de se consumir cinema com seu Avatar. Não que o 3D, principal chamariz do filme, fosse novidade. A tecnologia já era usada no cinema desde os anos 1950 (de forma precária, é bem verdade, com aqueles óculos de papel celofane que davam mais dor de cabeça do que qualquer outra coisa).
Mesmo naquele final da década passada, o emprego do recurso como conhecemos hoje já estava se difundindo. Mas foi aquele “Um Homem Chamado Cavalo interplanetário” que tornou quase obrigatórios os óculos, que não dão mais aquela dor de cabeça em (quase) ninguém, na antessala de exibição dos multiplexes mundo afora.
Pulamos quase dez anos no tempo e chegamos em “Alita: Anjo de Combate” (também começa com A, que coincidência).
A parceria de Cameron (que escreveu e produziu) com Robert Rodriguez (que dirigiu) nos fez lembrar o quão mal utilizado é o 3D na maioria das produções que servem apenas para os donos de cinema cobrarem o ingresso mais caro.
Sem tanto alarde prévio como em Avatar, essa também ficção científica surpreende não só pela imersão mas também por uma trama que se não é inovadora, mostra-se com um desenvolvimento mais satisfatório do que dava a entender nas prévias.
Em suas buscas por peças em um lixão cibernético, o misterioso Dr. Ido (Christoph Waltz) encontra Alita (Rosa Salazar), um autômato feminino fragmentado que teve sua memória danificada pelos anos abandonada em meio à sucata.
Alita não consegue lembrar quem é, ou de onde veio. Mas para Dr. Ido, que a recompõe, a verdade fica muito clara assim que descobre seus conhecimentos de artes marciais que não foram apagados. Ela é aquela que pode quebrar o ciclo de morte e destruição deixado por forças opressoras que se estabeleceram em um mundo pós-guerra. Daí, a menina ciborgue segue seu verdadeiro propósito, de lutar, seguindo uma carreira de caçadora.
Trata-se da adaptação de um mangá homônimo (Battle Angel Alita, como foi batizado nos EUA, ou Gunnm no original em japonês) criado por Yukito Kishiro e lançado em 1990. Cameron pegou a espinha dorsal da trama, que durou nove edições.
Assim como em Avatar, o roteiro apresenta alguns clichês, nenhuma surpresa, nem mesmo nas reviravoltas, mas com ótimas cenas de ação (sobretudo as de Motorball, o perigoso jogo esporte do futuro) e um design de produção exemplar, que nos empurra adentro daquele mundo futurista de maneira crível, que frente ao espetáculo visual, os defeitos estruturais da narrativa se empalidecem.
Além do 3D estereoscópico (indiscutivelmente na lista dos melhores), o CGI também impressiona. As texturas são de um realismo que custamos alguns instantes para deduzir o que é real e o que é produto dos softwares da Weta Digital.
A protagonista, por exemplo, é algo assombroso. Ela foi feita a partir de motion capture da atriz Rosa Salazar e a interação da personagem com os atores de verdade é tão orgânica, assim como suas expressões, que de fato esquecemos se tratar de computação gráfica. Algo visto com a mesma maestria recentemente foi na trilogia O Planeta dos Macacos.
Vale notar que os traços da moça foram rejuvenescidos (ela tem 33 anos enquanto Alita tem a aparência de uma adolescente) e os olhos aumentados deixando-a com característica de um personagem de anime. Isso evitará reclamações de whitewashing como houve na adaptação de Ghost In the Shell.
O CGI também confere naturalidade aos humanos com partes cibernéticas incorporadas (o que nesse universo garante qualidade de vida e sobrevida). Nessa seara, o filme faz Avatar parecer um bom gráfico de videogame da geração passada.
Cameron e Rodriguez trabalhando lado a lado funcionaram em perfeita simbiose. Os elementos dos filme do primeiro com o estilo do segundo se fundem com uma fluidez que dá impressão de que os dois são colaboradores de longa data.
Características de Cameron podem até ficar um pouco mais salientes, no entanto várias sequências remetem a filmes de Rodriguez (o bar dos caçadores, por exemplo, tem um quê de Um Drink no Inferno).
O elenco traz dois atores oscarizáveis: Mahershala Ali no papel do vilão Vector e Chistoph Waltz como o “pai adotivo” de Alita Ido. O primeiro fica preso no chavão do homem frio e ambicioso. Já o segundo é uma versão futurista de Gepeto, que o ator interpreta no tom certo, alternando ternura com uma certa resignação diante daquele mundo em que é obrigado a habitar.
“Alita: Anjo de Combate” pode não desconstruir a sempre infalível fórmula da jornada do herói. Tampouco revolucionar o uso dos efeitos especiais no cinema, sua função é de um pertinente upgrade técnico. No entanto, além de entregar aquilo que foi prometido, um belo espetáculo visual (obrigatório assistir em IMAX 3D ou na maior tela que tiver na sua cidade), ainda aponta para o que pode ser o surgimento de uma nova franquia cinematográfica, afinal, a matriz tem 9 volumes.
Além disso, é a melhor adaptação americana de um mangá – o que, cá para nós, não foi tarefa muito difícil. Fica a torcida para que o público abrace e faça o estúdio $orrir. Afinal, nem só de super-heróis e reboots do passado pode viver o cinemão.
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