Ao que parece, quem realmente está construindo um Dark Universe (e se dando bem com isso) não é a Universal Pictures, que começou mal com a nova versão de “A Múmia”, mesmo com astros como Tom Cruise e Russell Crowe. Na verdade, a Warner Bros., através do diretor James Wan, está se saindo melhor graças a “Invocação do Mal” (e sua continuação), que acabou gerando um derivado sobre uma das personagens que chamaram a atenção do público, mesmo aparecendo pouco, em 2014.
O filme fez uma boa carreira nos cinemas, mesmo não sendo muito elogiado pela crítica. Tanto que, três anos depois, chega à telona a história que deu origem à maldição da boneca que pode configurar na mesma categoria de Chucky, o Brinquedo Assassino, de tão cultuada e temida pelos fãs de terror. Felizmente, “Annabelle 2: A Criação do Mal” (“Annabelle Creation”, 2017) consegue criar um bom clima de suspense e intriga que, se não é original, pelo menos é bem realizado e cumpre muito bem o seu objetivo, que é de causar medo e espanto no público.
A trama mostra um grupo de meninas que, após serem obrigadas a deixar um orfanato que foi fechado, se mudam para a casa de Samuel (Anthony LaPaglia) e Esther (Miranda Otto) Mullins, que vivem isolados após uma tragédia que aconteceu 12 anos antes. Acompanhadas da Irmã Charlotte (Stephanie Sigman), as garotas começam a se acostumar com o lugar, apesar de algumas regras estranhas de Samuel e do fato de que Esther nunca sai de seu quarto. Entre as órfãs, estão as amigas inseparáveis Janice (Talitha Bateman) e Linda (Lulu Wilson), que acabam entrando em contato com Annabelle, uma boneca que foi criada pelo dono da casa e guarda um terrível segredo que vai abalar suas vidas de uma maneira que elas nunca vão esquecer.
O diferencial de “Annabelle 2: A Criação do Mal” está na boa direção de David F. Sandberg, que se tornou bastante conhecido após “Quando as luzes se apagam”, realizado a partir de um curta-metragem que ele mesmo fez em 2013. O cineasta (que assumiu o projeto de levar “Shazam” – ou Capitão Marvel, para os mais velhos – para a telona como parte do universo cinematográfico da DC/Warner), volta a utilizar o mesmo jogo de luz e sombras do seu longa anterior, deixando sempre um ar de ambiguidade em relação ao que os personagens (e o público, por tabela) enxerga pelos cômodos da casa.
Assim, o que pode parecer assombroso e ameaçador pode na verdade não ser nada e Sandberg sabe muito bem como trabalhar o mistério que ronda o lugar onde boa parte da trama é ambientada. Isso sem falar na própria Annabelle, cuja cena de introdução no filme é digna de nota por causar reais arrepios, especialmente para os mais impressionáveis.
É claro que, como na maioria dos filmes de terror feitos atualmente, o diretor apela para os “jump scares” (sustos inesperados para fazer o espectador pular da cadeira). Mas em “Annabelle 2: A Criação do Mal”, eles são muito bem empregados, sem maiores exageros, e mantendo a narrativa com uma tensão sempre constante e um clima que gera uma angústia envolvente. Além disso, Sandberg conta com o ótimo auxílio da diretora de fotografia Maxime Alexandre para dar o clima apropriado de suspense, não só nas cenas mais escuras, como até mesmo nas mais iluminadas. Um bom exemplo disso é quando Janice, que tem poliomielite e não pode se locomover como as outras meninas, é atacada por uma entidade em plena luz do dia, numa sequência realmente tensa.
O único porém do filme está no roteiro, escrito por Gary Dauberman, que também assinou o texto do primeiro “Annabelle”. Além de criar alguns momentos desnecessários na trama e que não fogem do clichê, Dauberman erra ao colocar personagens demais, que são completamente dispensáveis. Tirando Linda e Janice, as outras órfãs são completamente descartáveis e parecem estar numa história paralela à principal que nunca se conecta com a outra e não faria falta nenhuma se fosse extraída.
Parece que o roteirista tinha um argumento que resolveu estender para não dar a ideia que estava, na verdade, fazendo um curta-metragem. Para piorar, algumas decisões tomadas pelas personagens fazem questionar um pouco a inteligência delas. Mas talvez devam ser perdoadas por serem meninas sem muito conhecimento do mundo (pelo menos no contexto em que são apresentadas). No entanto, a forma encontrada para conectar os dois capítulos ficou bem feita e deve agradar aos fãs.
Embora conduza muito bem o terror e o suspense, Sandberg não consegue extrair atuações de destaque do elenco. Nenhum integrante está exatamente ruim, mas também não há nada de exemplar em suas performances. Anthony LaPaglia passa bem a angústia de Samuel por causa de seu trauma, mas sem muito brilho. Miranda Otto tem sorte pior por passar boa parte da história deitada numa cama e com o rosto escondido por véus e uma estranha máscara, não tendo espaço para chamar a atenção. Stephanie Sigman dá um tom doce e afetuoso para a Irmã Charlotte e até convence sua afeição pelas órfãs. Mas não passa muito disso.
Já as meninas Thalitha Bateman e Lulu Wilson funcionam como Janice e Linda, respectivamente, especialmente na questão de se importarem uma com a outra. Mas falta uma certa naturalidade para as duas em alguns momentos, ficando um pouco robóticas em determinadas cenas. As outras órfãs interpretadas por Philippa Coulthard, Grace Fulton, Lou Lou Safran e a estreante no cinema Tayler Buck são insípidas, mas nem tanto por culpa delas, e sim pelo roteiro.
“Annabelle 2: A Criação do Mal” resulta, no fim das contas, em um bom passatempo para quem gosta de curtir levar uns sustos no escurinho do cinema, sem maiores traumas. O filme consegue ser uma sequência que cumpre melhor o seu objetivo do que o filme original e ajuda a deixar o universo de “Invocação do Mal” ainda mais interessante para o que é feito no gênero terror nos dias de hoje por um grande estúdio. Um aviso: Há duas cenas extras durante os créditos e uma delas mostra para onde vai esta série que está fazendo muito bem aos cofres da Warner e deixando muitos felizes aqueles que gostam de sentir medo.
P.S. A sessão do filme para a imprensa do Rio foi na sala 4DX, na Zona Oeste da cidade e proporcionou uma experiência interessante. Alguns movimentos de câmera foram “acompanhados” pelas cadeiras do cinema, que também emitiu odores, soltou vento e tremeu nos momentos de susto. Quem puder ir a esta sala pode curtir essa nova forma de ver filmes (embora alguns momentos de tensão eram antecipados pelos movimentos dos assentos).
Filme: Annabelle 2: A Origem do Mal (Annabelle Creation)
Direção: David F. Sandberg
Elenco: Anthony LaPaglia, Miranda Otto, Stephanie Sigman, Talitha Bateman, Lulu Wilson
Gênero: Terror
País: EUA
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Warner
Duração: 1h 50min
Classificação: 14 anos