Sufragista foi o nome dado às mulheres que fizeram parte do movimento de luta a favor da igualdade do direito ao voto das mulheres em meados dos anos 10 do século XX. O filme narra a história de algumas destas mulheres e os sacrifícios que tiveram que cometer a favor de sua causa.
Extremamente competente, a diretora Sarah Gavron e a roteirista Abi Morgan conseguem nos cativar na história individual de cada uma dessas mulheres, assim como nos mobilizar pelo contexto maior que as une.
A maioria dos filmes que venho assistindo recentemente tem me chamado atenção pela reflexão que me trazem e deixando os aspectos cinematográficos em segundo plano, ainda que sejam de extrema importância. Neste caso especificamente, gosto muito do ritmo com o qual a história é contada. Não há barrigas e nem clichês ofensivos que se poderia esperar de um filme que se pretende bandeira política.
As atrizes estão ótimas em seus papéis, retiradas de suas faces glamourosas e apresentadas em toda sua simplicidade. A fotografia explora bem os momentos de intimidade e introspecção através dos planos detalhe, assim como expande nossa visão constantemente, para dar a sensação de comunhão, de conjunto, de massa. A trilha sonora é sutil, sem grandes arroubos dramáticos e heróicos. Todos esses elementos, que poderiam significar falhas significativas, foram tratados com sutileza e cuidado. Nada é gritante, explícito, exagerado. O drama se passa nas entrelinhas dos encontros entre essas mulheres e aquilo que elas testemunham em seu dia a dia.
Agora, para entrar na reflexão política. Ultimamente, há fortes movimentos no mundo inteiro que buscam igualdade de direitos, liberdade de expressão, solidariedade e tantas outras causas, justíssimas em seus anseios. As mulheres fazem parte de um dos nichos que vêm se fazendo ouvir, a partir de denúncias contra o machismo, seja em conversas de bar ou em campanhas públicas. Este filme se passa em 1912. Não faz tanto tempo assim. Pouco mais de 100 anos. Há pouco mais de 100 anos, as mulheres não podiam votar, eram pagas salários menores que os dos homens pelo mesmo trabalho, não tinham direito de custódia dos seus filhos, tinham sua palavra questionada se denunciassem um homem por estupro, etc etc etc. Hoje em dia, várias destas coisas mudaram, as maiores, pelo menos. E essa mudança aconteceu aos poucos, através sacrifício de inúmeras mulheres que foram presas, mortas, ou mal vistas pela sociedade. O voto foi uma conquista no caminho pela igualdade dos direitos e veio vindo em diferentes épocas durante o século XX. Aqui no Brasil, apenas em 1932. Muitas avós vivas hoje nasceram em um período em que não tinham seu voto reconhecido. Em alguns países, como a Arábia Saudita, o voto ainda não foi sancionado.
Às vezes, escuto discursos que clamam que não há mais desigualdade, pois perante a lei, a mulher vem sendo reconhecida como igual e por todas as mudanças sociais e econômicas pelas quais viemos passando nos últimos 50 anos, desde que o movimento feminista se afirmou como tal nos anos 60. Entretanto, sinto dizer, somos todos machistas. Não por escolha, mas por vivermos em uma sociedade machista.
Naturalizamos discursos que efetivam preconceitos e burrices relacionadas a mulheres, todos os dias. Quando justificamos algum tipo de abuso pela mulher ter decidido usar uma roupa sensual, quando dizemos que ela conseguiu alguma coisa por seu decote, quando nós mulheres nos comparamos umas às outras, quando tornamos atos de cavalheirismo uma obrigação, quando usamos a palavra “valor” comumente utilizada para produtos e propriedades de uso capitalista para julgar o comportamento de uma mulher, e tantos outros.
Estatísticas mostram que 50 por cento de todos os assassinatos de mulheres no Brasil são cometidos por homens que fazem ou fizeram parte de sua vida, sejam eles namorados, maridos, ex namorados, amantes, pais ou irmãos. Esse é um dado assustador. E o filme me fez abrir os olhos para uma realidade que precisa ser combatida para ser mudada. Não vamos mudar do dia pra noite, mas é de extrema importância reconhecermos que é preciso se esforçar, que temos sim que encontrar novos códigos e novas formas de nos expressarmos para que não continuemos perpetuando um discurso machista.
Certamente Hollywood e outros canais de entretenimento estão se aproveitando deste momento de tomada de consciência, que pode acabar fazendo parte de uma moda passageira, para lucrar em cima do nicho e do politicamente correto. Mas vamos aproveitar também essa oportunidade para refletirmos sobre o assunto e sairmos de As Sufragistas ou do seriado da Jessica Jones ou de Mad Max novo cheios de vontade de mudar aquilo que nos torna passivos diante da mediocridade e da injustiça.
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