“Ave, César!” faz graça em uma Hollywood que não existe mais

O cinema do passado é um tema recorrente na filmografia dos irmãos Joel e Ethan Coen. Mais especificamente, o que era realizado em sua época mais glamourosa, entre as décadas de 40 e 50, seja em forma de homenagem (“Na Roda da Fortuna”, que remete aos filmes de Frank Capra, e o remake de “Bravura Indômita”) ou mesmo para mostrar um panorama do período, de uma forma bem peculiar, como o ganhador da Palma de Ouro “Barton Fink – Delírios de Hollywood”.

Agora, a dupla de diretores e roteiristas volta a tratar do assunto com muito bom humor e ironia, com o divertido “Ave, César!” (“Hail, Caesar!”), mostrando os bastidores de um estúdio durante a época de ouro do cinema hollywoodiano, contando com elenco bem afiado e uma história que, embora seja bem conduzida, pode não ser assimilada pelo grande público.

A trama é centrada em um dia na vida de Eddie Mannix (Josh Brolin), assistente de estúdio da Capitol Pictures, especialista em resolver problemas envolvendo seus astros. Envolvido em diversas confusões, como a gravidez inesperada da atriz DeeAnna Moran (Scarlett Johansson) ou a indignação do diretor Laurence Laurentz (Ralph Fiennes) em ter que trabalhar com o rústico ator de faroestes Hobie Doyle (Alden Ehrenreich) em seu filme mais sofisticado.

Mais o que realmente vai lhe dar uma tremenda dor de cabeça é a realização de “Ave, César!”, superprodução que tem tudo para ser o maior sucesso da Capitol. O motivo é o inesperado sequestro do protagonista do filme, Brad Whitlock (George Clooney), no meio das filmagens. Mannix tem que correr contra o tempo para que o desaparecimento do astro não vaze na imprensa, ao mesmo tempo em que tenta descobrir o seu paradeiro.

O elemento que mais se destaca na carreira dos irmãos Coen é o roteiro e, aqui, mais uma vez eles fazem jus à fama que conquistaram. O texto possui diálogos saborosos, que levam o espectador a um riso fácil e sincero, onde não é necessário forçar a barra para fazer rir, como acontece na maioria das comédias americanas atualmente. A cena em que líderes religiosos discutem a representação de Deus no cinema é hilária. O único porém é que, para realmente curtir o filme de uma maneira mais completa é conhecer o contexto em que os diretores se inspiraram para criar as piadas e situações.

Um exemplo disso é a cena envolvendo o musical estrelado pela personagem de Scarlett Johansson, que remete aos filmes estrelados por Esther Williams, que esteve em várias produções com sequências de balé aquático e cujo trabalho mais famoso foi em “Escola de Sereias”, de 1944.

Mas o filme é bastante feliz em tratar os astros de Hollywood como pessoas que são bem diferentes quando não estão diante das câmeras, especialmente o ator bobalhão interpretado por Clooney, que está mais preocupado em beber e em viver cheio de mordomias. Além disso, é bastante criativa a identidade dos sequestradores e a justificativa do rapto do astro, que também garante o divertimento.

Além da belíssima direção de arte, que reconstitui com louvor a época de ouro dos estúdios americanos, e a ótima fotografia, o grande destaque de “Ave, César!” é mesmo seu elenco. Josh Brolin se sai muito bem mais uma vez, construindo bem o tipo durão de Mannix, que mesmo com tantos problemas ao mesmo tempo, seja no trabalho quanto em casa, parece sentir prazer no que faz (embora tenha alguns questionamentos sobre sua vida). George Clooney parece estar se divertindo como nunca ao fazer o tolo e arrogante Baird Whitlock.

Alden Ehrenreich também se destaca como o interiorano e um pouco ingênuo Hobie Doyle, um dos poucos no filme que parece ter alguma ética. Scarlett Johansson, embora apareça pouco, chama a atenção não só pela beleza, mas também pelo temperamento explosivo. Channing Tatum volta a surpreender cantando e sapateando num número musical um pouco estranho, o que prova que, bem dirigido, pode render bem mais do que em papéis de galã.

Outro problema em “Ave, César!” é, ao mesmo tempo, seu principal mérito, já que, apesar de um elenco tão bom, nem todos têm chance de serem mais relevantes na trama, como Ralph Fiennes, Jonah Hill, Frances McDormand, Tilda Swinton e até mesmo o sumido Christopher Lambert. Aliás, é divertido ver o ator francês no mesmo filme que está Clancy Brown, que foi o seu arqui-inimigo Kurgan em “Highlander – O Guerreiro Imortal”, que interpreta um colega de cena de Baird Whitlock no filme que lembra, muito, o clássico “Ben-Hur”, com Charlton Heston. É uma pena que os dois não dividam nenhum momento juntos, o que poderia dar uma alegria aos fãs de Connor McLeod.

Mesmo com essas questões, “Ave, César!” é uma bola dentro dos irmãos Coen, que vai deixar o espectador com um sorriso no rosto ao fim da sessão no cinema. É sempre bom ver que certos cineastas, mesmo após terem realizado diversas obras, ainda são capazes de entreter e levar a uma reflexão ao mesmo tempo, como se estivessem em seus primeiros anos de carreira. Em meio a tantas obras fracas que surgiram nos primeiros meses de 2016, é um alívio ver que alguns veteranos não perderam a boa forma.

Filme: Ave,César! (Hail, Caesar!)
Direção: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Josh Brolin, George Clooney, Alden Ehrenreich
Gênero: Comédia, Musical
País: EUA/Reino Unido
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Universal Pictures

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