A fama é matéria-prima do cinema. Isso não apenas diz respeito ao produto fama dos atores e diretores dos grandes filmes, mas também se refere aos filmes feitos com base na fama de terceiros. Um exemplo: o adorável e pouco conhecido filme “Minha Querida Brigitte”, de 1965, que acompanha pai e filho fissurados pela então grande estrela do cinema francês Brigitte Bardot. O filme nacional Chama a Bebel segue linha semelhante, tomando como mote a fama inspiradora de Greta Thunberg, que, ao contrário de Bardot, foi eleita Pessoa do Ano pela Revista Time em 2019.
Maria Isabel, ou melhor, Bebel (Giulia Benite) vive com a mãe e o avô às margens de uma rodovia. Para dar continuidade aos estudos, ela precisa se mudar para a cidade. Lá, fica de favor na casa da arrogante tia Marieta (Flavia Garrafa). No primeiro dia de aula na escola, faz amigos – os também excluídos Zico (Gustavo Coelho) e Beto (Antônio Zeni), primo de Bebel – e também inimigos – nas figuras da patricinha local Rox (Sofia Cordeiro) e suas seguidoras. Navegar os novos ambientes não será fácil para Bebel, que tem ainda um agravante: ela é cadeirante, e inclusão parece ter passado longe dos lugares que ela agora vai frequentar.
Bebel é grande fã de Greta Thunberg, a menina sueca que luta pelo clima, e por isso se interessa por temas como sustentabilidade e defesa do planeta. Tendo isso em mente, é natural a reação de indignação de Bebel ao descobrir que o tio trabalha no laboratório do pai de Rox, onde cosméticos são testados em animais. Ela então bolará um plano para libertar os animais de uma vida de sofrimento em nome da beleza alheia.
A pergunta que não quer calar deve ser feita: por que escalar Giulia Benite, atriz sem deficiência, para interpretar Bebel? Não existem jovens e talentosas atrizes cadeirantes? Se por um lado esta escolha merece ser questionada, por outro devemos celebrar a escalação de um ator com deficiência para interpretar o outro cadeirante do filme, o professor Denis. Seu intérprete e estreante nos cinemas, Rafa Muller, afirma que se sentiu representante e representado enquanto pessoa com deficiência neste projeto e deu muitas dicas para Giulia, para além da consultoria de acessibilidade presente na produtora.
Este é um filme maniqueísta, o que quer dizer que os personagens bons são muito bonzinhos e os maus sempre maus. Assim, fica fácil gostar de Bebel, Zico e Beto e odiar Rox e a tia Marieta. Na vida real, a história é diferente: o bullying existe em formas mais sutis que os ataques proferidos sem dó nem piedade pela vilãzinha do filme e de maneira bem menos elaborada, embora o episódio do vídeo fake encontre diversas semelhanças com casos reais. Flavia Garrafa define sua personagem Marieta e Rox como “a antítese necessária em todo roteiro”, mas poderia ter havido mais nuance na vilania de ambas.
Estilisticamente, algumas cenas são filmadas em contra-plongée, como que imitando a visão de uma pessoa cadeirante. Mas o objetivo não é nos colocar no lugar de Bebel, pois cenas assim são encontradas quando a personagem não está presente e mesmo quando o foco é o rosto de Bebel.
O diretor e roteirista gaúcho Paulo Nascimento conta que se inspirou nas atitudes da filha para criar o longa. Diz mais: a equipe não começou a pensar diferente – em relação a temas de ecologia e meio-ambiente – depois de fazer o filme, mas sim fez o filme porque passou a pensar diferente. A geração de Bebel, conta ele, está arrumando o que as gerações passadas fizeram de errado.
Giulia Benite, que despontou interpretando a protagonista da Turma da Mônica em filmes e série, é produtora associada de Chama a Bebel. Com apenas 15 anos, ela mostra desenvoltura nas entrevistas e revela que prefere atuar, mas não descarta trabalhar atrás das câmeras no futuro. Ela também aponta para a capacidade inspiradora do seu novo e necessário filme, que chama os jovens para lutar, com as armas que têm, por um mundo melhor.
NOTA 7 de 10